sexta-feira, 12 de junho de 2009

Riqueza vinda do desmate só dura 15 anos

Análise do IDH de 286 municípios amazônicos mostra que esgotamento rápido da floresta causa depressão socioeconômica

Modelo desenvolvido por cientistas do PA é publicado hoje na revista "Science'; para Imazon, governo estimula "boom-colapso"

Alexander Lees/"Science"

Floresta queimada na Amazônia; pecuária é motor do desmate

AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

A política atual do governo na Amazônia, especialmente a recente aprovação da Medida Provisória da regularização fundiária, favorece a continuidade do modelo de desenvolvimento que traz riqueza no início e, menos de duas décadas depois, mergulha os municípios na miséria de novo.

A afirmação é de Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Esse modelo, batizado de "boom-colapso", é descrito hoje por Veríssimo e colegas na revista científica "Science".
A pesquisa analisou dados de qualidade de vida de 286 municípios na floresta amazônica.

Constatou que, no curto prazo, o desmatamento realmente melhora o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Porém, os benefícios duram apenas entre 12 e 16 anos -quando acaba a exploração de madeira e a produtividade da pecuária.
Depois desse "boom", o município passa a apresentar índices de qualidade de vida parecidos com os do período anterior ao desflorestamento.

Segundo Veríssimo, para alterar o padrão de economia baseada no uso predatório dos recursos naturais, o governo precisa arbitrar. "Se deixar por conta do mercado, vai se manter o "boom-colapso", porque alguns ganham no curto prazo."

De acordo com ele, a exploração de madeira rende por cerca de dez anos, e a pecuária em área desmatada, que tem solo pobre, por cinco anos.

Em sua opinião, a MP da regularização fundiária -que aguarda a sanção presidencial e não foi objeto do estudo na "Science"- é um mecanismo que estimula a ocupação de florestas públicas e seu desmatamento. Por meio dela, o governo envia um sinal claro de que tolera a situação.

"O trabalho mostra mais uma vez que o desmatamento não compensa do ponto de vista socioeconômico. Agora, teimosamente, o Brasil vem com políticas que parecem dizer o contrário", afirma. A medida irá permitir que 67,4 milhões de hectares de terras da União na Amazônia -equivalente aos territórios da Alemanha e da Itália somados- sejam doados ou vendidos sem licitação, até o limite de 1.500 hectares.

O grupo internacional de seis pesquisadores analisou os dados de IDH (como expectativa de vida, alfabetização e renda per capita) de municípios que possuem floresta em seu território, com diferentes estágios de desmatamento.

Vários municípios no Amazonas, por exemplo, estão na pré-fronteira de desmatamento. Em situação intermediária está São Félix do Xingu (PA), em que já houve aumento de riqueza por conta do desmate. E Paragominas (PA) está na fase final, pós-fronteira.
O próprio Imazon havia publicado, em 2007, um estudo sobre "boom-colapso". Porém, segundo Ana Rodrigues, autora principal do artigo da "Science", a pesquisa atual refinou a metodologia. "Cada município foi classificado usando informação de imagens de satélite com base na extensão florestal remanescente e na intensidade de desflorestamento. O resultado é uma imagem mais detalhada da trajetória de desenvolvimento humano em relação ao avanço da fronteira."

A pesquisadora, antes na Universidade de Cambridge e hoje no Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva (França), espera que os resultados ajudem a reforçar, não só no Brasil, mas no mundo, "a mensagem de que é necessário um modelo de desenvolvimento diferente para a Amazônia".

Para Veríssimo, cabe ao governo federal subsidiar atividades alternativas ao desmatamento nos municípios.

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