Artigo
Por Washington Novaes
Em meio às notícias sobre índices inquietantes de recessão econômica em praticamente todo o mundo - menos 4% no primeiro trimestre no Japão, menos 3,8% na Alemanha, menos 5,7% nos EUA, só para citar alguns casos -, chega a notícia de que, numa reunião preliminar à Convenção do Clima, em Bonn, o Fórum de Investimentos Inovadores para o Desenvolvimento propôs taxar em 0,005% (meio por cento) as operações monetárias internacionais. Com o resultado da taxação pretende criar um fundo que disponha de entre US$ 30 bilhões e US$ 60 bilhões anuais para combater a fome no mundo (mais de 1 bilhão de pessoas, segundo a ONU). Parece uma ressurreição da Taxa Tobin, com a qual o economista James Tobin pretendeu, na década de 1990, chegar ao mesmo fim, criando um tributo sobre as operações financeiras, que naquela época, dizia ele, já chegavam a US$ 1,5 trilhão por dia. Não teve êxito.
Também agora a caminhada parece difícil. A Grã-Bretanha já se opôs e está sendo acompanhada por outros países - mesmo sabendo que o número de pessoas que passam fome no mundo continua crescendo. Só este ano são mais 40 milhões; desde 2007, mais 150 milhões, diz a ONU. Da mesma forma a linha da pobreza (renda de menos de US$ 1,25 por dia por pessoa) continua a incluir mais gente e chega a 41,7% da população global (mais de 2,7 bilhões de pessoas), quando os Objetivos do Milênio previam baixar essa porcentagem para 20,9% (1,4 bilhão).
Nesse quadro, a concentração da renda no mundo continua a crescer (Estado, 25/3), com 1% da população detendo 40% da riqueza total. Entre os privilegiados, perto de 65% concentram-se nos EUA e no Japão, 0,6% no Brasil. Não altera muito o quadro com que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) escandalizou o mundo, na década de 90, ao afirmar que as três pessoas mais ricas do planeta, juntas, tinham ativos superiores ao produto bruto dos 48 países mais pobres, onde viviam 600 milhões de pessoas. E pouco mais de 250 pessoas, cada uma delas com ativos maiores que US$ 1 bilhão, juntas, detinham mais que os 40% da humanidade já naquele tempo abaixo da linha da pobreza, perto de 2,5 bilhões. Nos países industrializados, com menos de 20% da população global, concentravam-se quase 80% da renda universal (e do consumo). Mas nem com a renda se concentrando aumenta a ajuda dos países mais ricos. Ao contrário. Em 2007-2008 ela chegou a apenas US$ 29 bilhões, que valeria a pena comparar com os mais de US$ 3 trilhões aplicados pelos governos dos países industrializados para socorrer bancos e empresas. Cem vezes menos.
Também inquietante é a progressiva urbanização no mundo. Hoje já temos 49% da população total - quase 3,3 bilhões de pessoas - vivendo em cidades, onde as condições costumam ser piores para os mais pobres. No Brasil, o quadro sobre a porcentagem de pobres nas grandes cidades não é menos inquietante (mais de 40% no Recife e em Fortaleza, mais de 30% em Belém e Salvador, mais de 20% em Belo Horizonte, mais de 15% em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, mais de 10% em Curitiba). Na média das metrópoles, 21,01%, ou 4,9% mais que em 2000.
As preocupações com a pobreza e a miséria agravaram-se há poucas semanas, com a publicação de novo estudo da Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU (FAO), mostrando que, embora a produção de alimentos em 2009 possa garantir o abastecimento no mundo (2,2 bilhões de toneladas), a queda dos preços no mercado internacional gera uma contradição: o custo pode subir para as pessoas mais pobres, mas também pode cair a produção (como caiu, por desincentivo aos produtores). A esses fatores a FAO acrescenta a preocupação com a crescente compra de terras nos países mais pobres, por estrangeiros e nacionais, que já está dificultando o acesso das pessoas pobres a esse recursos e também à água.
Na reunião em Bonn, cresceram as pressões dos países mais pobres por um acordo na área do clima que possa reduzir suas preocupações. Esses países já são os mais atingidos pelos "eventos extremos", que atingiram mais de 300 milhões de pessoas em 2008 e deixaram prejuízos de mais de US$ 200 bilhões. Como se vai transferir tecnologia que habilite essas nações a conceber e pôr em prática planos de adaptação às mudanças em curso? Se não houver ajuda, o prejuízo poderá estender-se ao mundo todo, já que as emissões por mudanças no uso do solo nos países mais pobres cresceram mais de 30%, enquanto as resultantes de desmatamentos e queimadas subiram 17%.
E no Brasil, o que acontecerá nesse quadro que engloba recessão internacional e interna, pobreza e clima? Mesmo sem entrar no terreno do confronto entre ruralistas e ambientalistas, já há indicadores preocupantes com a redução da atividade econômica em dois trimestres - caracterizando tecnicamente uma recessão - e com a queda do Índice de Qualidade do Desenvolvimento, anunciada pelo Ipea. Vários indicadores que compõem esse índice - taxa de pobreza, mobilidade social, desigualdade de renda, desemprego, ocupação formal - acusaram piora. A folha de salários baixou 12,4% entre fevereiro e março. O desemprego subiu de 8,5% para 9%. O desemprego industrial teve seu pior mês em oito anos.
Nem com isso tudo, entretanto, as posições do Brasil no cenário internacional evoluíram. Continua silente em matéria de assumir compromissos de redução de emissões. E quanto à criação de taxa sobre transações monetárias internacionais, nosso representante nas discussões, o ministro Patrus Ananias, declarou-se favorável "como cidadão"; como membro do governo, "a tese precisa ser discutida".
É pouco. Ao fim e ao cabo, continua-se a ter um governo que se recusa a abrir a guarda quando se discute a natureza do crescimento econômico e a necessidade de corrigir rumos, no plano global e no interno. A julgar pelos conflitos recentes, há muito que temer.
Washington Novaes é jornalista
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