segunda-feira, 29 de junho de 2009

Envolverde - Lula sanciona MP da grilagem


Por Redação do ISA

Apesar da pressão e das denúncias das organizações socioambientais, o Presidente veta apenas a transferência de terras para empresas e pessoas que exploram indiretamente a área ou que tenham imóvel rural em outra região do País.

A sociedade bem que tentou: fez vigília no Senado, enviou carta aberta ao governo, divulgou nota pública contra o desmonte da política ambiental, participou de ações e campanhas de Internet, como as levadas adiante pelo ISA, enfim, protestou contra a possibilidade de entregar a Amazônia de mãos beijadas. Mas, ignorando os alertas das organizações e manifestações da sociedade civil sobre os riscos incluídos na proposta, o Presidente da República sancionou a Medida Provisória nº 458. Transformada na Lei nº 11.952, foi publicada no Diário Oficial da União de desta sexta-feira 26/06/2009, sem o artigo 7º da MP, que permitia a regularização de terras públicas para pessoas jurídicas, ocupantes indiretos (pessoas que não vivam da terra) e proprietários de outros imóveis. Os demais pontos problemáticos permaneceram: simplifica excessivamente os procedimentos de verificação da legitimidade da posse, pois retira a necessidade de vistoria prévia para a alienação de até quatro módulos fiscais (que pode chegar a 400 hectares em algumas regiões) e não vincula os trabalhos de regularização a qualquer plano de ordenamento territorial previamente discutido e aprovado.

Com as brechas existentes na lei, abre a possibilidade para que ocorram desvios, como:

- Concentração de terras nas mãos de poucos: com a dispensa de vistoria, embora esteja formalmente proibida a compra de terra por quem já tem imóveis e por terceiros, pode vir a ocorrer que a regularização beneficie a mesma pessoa com áreas diferentes por meio de "laranjas".

- Criação de um lucrativo mercado de terras para empresas ou grandes fazendeiros: os caboclos e agricultores familiares terão que cumprir uma série de exigências e não poderão vender suas terras por 10 anos. Por outro lado, as propriedades acima de 400 hectares poderão ser vendidas após três anos da concessão dos títulos.

- Doação das terras sem necessidade de ter a reserva legal já averbada: na versão original da MP, a área só seria registrada em nome do particular se a área de reserva legal fosse identificada e averbada. Agora há apenas o “compromisso” do adquirente em averbar, futuramente, a reserva legal. Enquanto isso não ocorrer, mesmo que haja desmatamento ilegal, não será rescindido o título de propriedade (penalidade prevista na lei para quem descumpre algumas condições), pois, pela versão aprovada, isso só ocorrerá quando o desmatamento acontecer na reserva legal. O texto também abre a possibilidade de que o desmatamento ilegal que venha a justificar a rescisão do título seja compreendido como “benfeitoria” e justifique indenização por parte do Estado ao particular.

- Falta de controle no processo de privatização de terras públicas: não há qualquer tipo de garantia de que o processo de regularização de posses venha de fato a aprimorar o ordenamento fundiário de determinada região, e não piorá-lo. A demanda de que a privatização “expressa” de terras públicas prevista na lei ocorresse apenas em locais onde o ordenamento territorial (criação de unidades de conservação, demarcação de terras indígenas, implantação de assentamentos de reforma agrária, definição da vocação econômica da área definida pelo Zoneamento Ecológico Econômico) já estivesse resolvido não foi acatada.

Em vigor com tantos problemas, o desafio agora é evitar que a lei efetivamente beneficie especuladores e grileiros. De acordo com Raul Telles do Valle, coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, um dos problemas principais da lei não é o que ela diz que pretende fazer, mas a quantidade de brechas que ela tem para fazer o contrário: "Dar terras de até 400 hectares apenas com a declaração do interessado, sem sequer fazer vistoria, é um dos pontos que abre o campo para os laranjais dos grileiros. Portanto, é fundamental, sobretudo nesse começo, haver total transparência dos dados de forma a abrir a possibilidade de controle social efetivo que possa identificar esses casos e punir os envolvidos".

De acordo com a assessoria de imprensa do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, a expectativa do governo é de que, com a regulamentação das posses, os órgãos de fiscalização tenham maior facilidade para identificar e punir eventuais crimes ambientais na região. Para Raul do Valle, entretanto, o efeito pode ser o contrário. “Em primeiro lugar, o índice de responsabilizaçao hoje é baixíssimo, menos de 1% das multas são pagas. Em segundo lugar, se a lei for lida como uma anistia pela ocupação irregular de terras públicas, o que já está ocorrendo em alguns lugares, ela incentivará a continuidade da grilagem sobre terras públicas, ou seja, apropriação de terras baratas, que é a base do desmatamento ilegal”.

A lei estabelece a criação de um comitê fiscalizador, ainda a ser definido.

O veto pode ser derrubado em sessão plenária do Congresso (Senado e Câmara), sem data marcada.

Entenda como começou

No ano passado, o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Roberto Mangabeira Unger, anunciou a intenção de criar uma nova instituição especialmente para tratar da regularização fundiária na Amazônia, a qual, com a simplificação das leis existentes, poderia, em muito menos tempo, fazer o trabalho realizado pelo Incra. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por sua vez, também apresentou uma proposta de como acelerar a regularização de terras públicas na Amazônia, simplificando procedimentos e diminuindo o tempo e os custos do processo administrativo.

ONGs marcaram sua posição diante das tentativas federais de acelerar o processo por meio da criação de um novo órgão e da flexibilização das regras. Em novembro de 2008, nove organizações da sociedade civil enviaram carta ao governo indicando prioridades e princípios que devem guiar o processo administrativo de regularização fundiária em terras públicas, de forma a considerar, efetivamente, a função social da terra. O texto valorizou a necessidade de regularização fundiária como uma ferramenta a serviço de uma estratégia de ordenamento fundiário para a região, como os Zoneamentos Ecológicos Econômicos (ZEEs) estaduais, evitando a ocupação privada de áreas de interesse para conservação ou outras finalidades públicas.

Dessa polêmica saiu a MP nº 458, possibilitando à União a transferência de terras federais de até 1,5 mil hectares (15 km²) em nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão). São 67 milhões de hectares (13,4% da Amazônia Legal) e uma parte significativa será doada ou vendida a preços simbólicos, sem necessidade de licitação. Com processos simplificados, e em alguns casos sem exigência de vistoria prévia, a nova lei tende a estimular a grilagem e a concentração fundiária, com o conseqüente aumento da violência no campo e do desmatamento, apesar das condicionantes ambientais, como o compromisso do beneficiado na recuperação de áreas degradadas.


(Envolverde/ISA)

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