Opinião
Por JORGE VIANA
A semana que iniciou o inverno no hemisfério sul acabou marcada pelo acalorado debate da questão ambiental, incendiado pela expectativa da sanção presidencial da MP 458, que trata da regularização da posse de terras públicas na Amazônia.
A importância do assunto e a radicalização do debate me preocupavam muito, pois isso costuma fechar o horizonte.
Mas numa dessas surpresas que, graças a Deus, a vida apronta quando a gente menos espera, tive a atenção desviada por outro fato sem nenhuma relação com a MP, mas que, ao final, foi capaz de dissipar as nuvens mais densas e clarear o firmamento das ideias.
Tive o privilégio de participar do ato em homenagem a Apolônio de Carvalho, sua esposa Reneè e seus filhos RenéLouis e Raul, promovido no Rio de Janeiro como parte das atividades do ano da França no Brasil. Foi emocionante assistir ao vídeo-documentário “Vale a pena sonhar”, narrado pelo próprio Apolônio, este herói brasileiro que enfrentou o autoritarismo das ditaduras no nosso país, combateu o fascismo na Espanha e lutou na Resistência Francesa contra o nazismo.
O discurso do presidente Lula foi outro momento marcante da homenagem.
Ele lembrou que Apolônio de Carvalho pode ser considerado nosso maior revolucionário. Lula fez questão de ressaltar que, se não conhecesse sua história, teria dificuldade em acreditar que uma pessoa de fala tão serena e equilibrada quanto Apolônio tenha participado de tantas batalhas sangrentas. Apolônio assinou a ficha número 1 do Partido dos Trabalhadores e sua marca maior foi sempre ter lutado por mudanças sem nunca ter mudado de lado.
Mudar sem mudar de lado não é fácil. O presidente lembrou que ele próprio, em 2002, passou um dia inteiro tentando gravar uma frase defendendo a reforma agrária “tranquila e pacífica”, depois de ter passado algumas décadas repetindo palavras de ordem pela “reforma agrária ampla e radical.” Interessante que a homenagem a Apolônio de Carvalho tenha acontecido exatamente na semana em que o presidente Lula sancionou a Medida Provisória 458, um esforço pacífico de organização territorial numa região tão extensa quanto cheia de conflitos, com dezenas de assassinatos consumados e centenas de denúncias envolvendo ameaças de morte.
O presidente Lula, que conhece profundamente a Amazônia e seus conflitos, e que já esteve chorando seus mortos como fez em 1988 no Acre no enterro do maior ambientalista do Brasil, o seu amigo Chico Mendes, deu mais uma prova do quanto luta por mudanças sem mudar de lado.
Além de ter colocado a questão da regularização fundiária em debate, ao ter encaminhado a MP 458 ao Congresso, o presidente Lula teve a coragem de vetar seu artigo sétimo, acatando apelo de tantas entidades e personalidades, como a senadora e ex-ministra Marina Silva.
É consenso na Amazônia a necessidade da regularização fundiária. O problema é como fazer sem estimular a especulação de terra, a grilagem, o desmatamento e a violência. Ao vetar o artigo sétimo da MP, o presidente Lula faz uma importante mediação no ambiente radicalizado que experimentamos hoje e deixa claro que é preciso adotar tratamento diferenciado para pequenas e grandes propriedades numa região que pode ser comparada a um continente e que guarda diferenças consideráveis dentro dos próprios estados.
O Brasil do presidente Lula, da ministra Marina e do ministro Minc começou a deixar de ser uma referência negativa na opinião pública internacional, principalmente por reduzir de 27 mil quilômetros quadrados no governo passado para 10 mil quilômetros quadrados, a área desmatada por ano na Amazônia.
E, para ocupar um espaço de maior destaque nos fóruns internacionais, o Brasil precisa ter uma política mais adequada para a região, até porque mais de 50% das emissões que agravam a situação climática a partir do Brasil vêm de queimadas da Amazônia. Nosso país precisa levar adiante políticas que deem atenção especial à população regional e que busquem fortalecer atividades produtivas sustentáveis.
Quando o governo brasileiro anuncia metas de redução do desmatamento em 70% até 2017 e o compromisso brasileiro de pôr fim ao desmatamento na Amazônia até 2040, merece reconhecimento e elogio. Daí a importância do fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e do ministro Carlos Minc como mediador e interlocutor qualificado em meio aos interesses de tantos segmentos conflitantes.
A radicalização que estamos vivendo hoje, com ambientalistas e opinião pública de um lado e ruralistas com voto no Congresso de outro, não é boa para a Amazônia, nem para o meio ambiente e nem para o Brasil. O Brasil precisa mudar e aperfeiçoar sua legislação ambiental.
Mas isso não pode ocorrer transformando os produtores e produtos da Amazônia em vilão, muito menos à custa do atraso.
A experiência de governar um estado amazônico me ensinou que as boas soluções para a questão fundiária na região não devem priorizar, necessariamente, a posse e uso da terra, mas o uso sustentável do que está acima e abaixo da terra.
Nesta semana de debates tão intensos, a pausa para a homenagem ao herói que foi Apolônio de Carvalho também me permitiu aprender que a tolerância é uma qualidade necessária até ao mais legítimo revolucionário.
É preciso reconhecer a importância do gesto do presidente Lula. Com o veto ao artigo sétimo da MP 458, ele criou condições para que o Brasil faça o melhor, mais amplo e mais adequado debate da questão ambiental.
JORGE VIANA é engenheiro florestal, foi prefeito de Rio Branco (1993-1996) e governador do Acre (1999-2006).
Nenhum comentário:
Postar um comentário