Por Mauro Zanatta, de Brasília
A forte pressão internacional de compradores e ONGs ambientalistas obrigou a Associação da Indústria Exportadora de Carne Bovina (Abiec) a aceitar ontem um compromisso público de rejeição à aquisição de boi criado em áreas de desmatamento ilegal na Amazônia. Além disso, a Abiec negocia com o BNDES um programa de rastreamento eletrônico do gado na região da floresta com recursos do Fundo Amazônia, apurou o Valor.
Gestor do fundo composto por doações internacionais para preservação da Amazônia, o BNDES tem participação no capital de vários frigoríficos e busca responder à pressão internacional por mecanismos de proteção ao bioma amazônico. O fundo já tem US$ 110 milhões da Noruega, deve receber US$ 30 milhões da Alemanha, mas poderia captar US$ 17 bilhões até 2017, calcula o banco.
Acuados por denúncias das ONGs Greenpeace e Amigos da Terra, e por embargos decretados pelo Ministério Público do Pará a seus fornecedores, os frigoríficos criaram um "código de conduta socioambiental" com metas e prazo para instituir um "programa de excelência" e de "rastreamento ambiental e sanitário" aos pecuaristas. "Não faremos um compromisso falso com ministério A ou B nem algo para inglês ver", afirmou o presidente da Abiec, Roberto Giannetti da Fonseca, em audiência no Senado. "A Abiec assinará um compromisso com a sociedade".
A pressão é forte. Grandes redes varejistas, como Carrefour, Wal- Mart e Pão de Açúcar, anunciaram que rejeitarão carne de animais provenientes de áreas de desmatamento. A audiência na Comissão de Agricultura serviu para frigoríficos e ruralistas atacarem a ação de ONGs e do MP do Pará. Convidados, mas ausentes do debate, eles foram classificados como "mentirosos", "levianos" e "irresponsáveis" ao longo das discussões. "Para o MP, eles [as ONGs] são os heróis e as empresas, as bandidas", disse Gianetti.
As ONGs acusaram, em relatório difundido nos países compradores de carne e couro do Brasil, os frigoríficos de patrocinar desmatamento, trabalho escravo e invasão de terras indígenas na Amazônia. O MP do Pará autuou fazendas e empresas, além de ameaçar compradores do Bertin de co-responsabilidade por crimes ambientais supostamente praticados pelo frigorífico e seus fornecedores.
Gianetti defendeu ontem que, mesmo sem terem sido incluídos em listas restritivas por Ibama e Ministério do Trabalho, pecuaristas fornecedores da Bertin tiveram suas propriedades embargadas pelo MP. Os procuradores teriam tomado "atitude abusiva" e causado "destruição da reputação" da empresa. "Vamos ter que pedir solução ao Judiciário", afirmou. O executivo disse que as ONGs tiveram acesso ao sigilo fiscal da Bertin. "O Greenpeace disse ter tido acesso a dados fiscais em uma 'sala empoeirada' de Belém durante reunião, na Alemanha, com Adidas e Reebok", disse Gianetti.
Irritado com a ausência dos convidados, o senador Valter Pereira (PMDB-MS), presidente da comissão, afirmou que o MP deu demostração de que o órgão "não tem interesse" em debater e estaria agindo "ao arrepio da lei". "A ação do MP é equivocada e não tem embasamento legal", disse o senador Gilberto Goellner (DEM-MT). Os senadores decidiram realizar uma nova audiência pública, desta vez em Belém (PA), para debater o tema. Greenpeace e Ministério Público serão novamente convidados.
Varejista impõe metas para os fornecedores
De São Paulo
O número de presidentes de grandes multinacionais no Brasil no evento promovido ontem pelo Wal-Mart, em São sPaulo, dá a medida do poder econômico da multinacional americana, a maior varejista do mundo e, provavelmente, a maior cliente de muitas das principais fabricantes globais de bens de consumo.
Recepcionados por Héctor Núñez, presidente do Wal-Mart no Brasil, altos executivos de 20 empresas assinaram ontem um "pacto pela sustentabilidade", iniciativa que está sendo conduzida globalmente pela varejista com o objetivo de fixar metas ambientais para os seus fornecedores ao redor do mundo.
O primeiro evento do gênero foi realizado pelo Wal-Mart em Pequim, na China, no passado. O país asiático, segundo Núñez, foi escolhido por ser um grande fornecedor de muitos dos itens vendidos nas lojas e por ser, comumente, alvo de críticas dos ambientalistas.
O Brasil é o segundo país onde o "pacto pela sustentabilidade" proposto pelo Wal-Mart foi assinado por grandes fornecedores, embora muitos deles mantenham um relacionamento em bases globais com a varejista. A ideia é replicar o evento nos demais países onde a multinacional atua.
Na lista dos CEOs que assinaram ontem o compromisso com a varejista figuraram os presidentes no Brasil da Unilever, Nestlé, Cargill, Sara Lee, Pepsico, Kimberly-Clark, Diageo e Johnson&Johnson. Também assinaram o documento vice-presidentes e diretores da 3M, Ambev, Bunge, Cola-Cola, Marfrig, Grupo JBS e Grupo Bertin.
As metas ambientais estabelecidas pelo Wal-Mart - muitas delas a serem alcançadas até 2013 - abrangem vários aspectos da cadeia de suprimentos, incluindo a redução de 5% no uso de embalagens. O grupo se propõe ainda a reduzir o consumo de sacolas plásticas em 50%.
O Wal-Mart também quer que as indústrias de sabão em pó e detergentes reduzam em 70% o uso de fosfato e oferecem produtos duas vezes mais concentrados. (BB, CF, MC)
Wal-Mart exige auditorias em propriedades da região
Bettina Barros, Murillo Camarotto* e Cláudia Facchini , de São Paulo
A rede varejista Wal-Mart anunciou ontem que irá exigir de frigoríficos localizados no bioma amazônico a apresentação de um laudo, elaborado por auditores independentes, que garanta que as fazendas fornecedoras de bovinos não estejam envolvidas em desmatamento ilegal ou denúncias de corrupção de fiscais, como foi divulgado na semana passada. A ideia é forçar a sustentabilidade em toda a cadeia de fornecedores da varejista - além da carne, os frigoríficos vendem outros subprodutos do boi para empresas de cosméticos e higiene, por exemplo.
Em cerimônia para divulgar o "Pacto Pela Sustentabilidade, Construindo a Cadeia de Suprimentos do Futuro", que reuniu cerca de 300 fornecedores em São Paulo, a vice-presidente de sustentabilidade do Wal-Mart no Brasil, Daniela de Fiori, informou que os frigoríficos JBS, Marfrig e Bertin assinaram há dois dias um compromisso de apresentar, em 30 dias, o nome das empresas que farão a auditoria, a partir de uma lista fornecida pelo próprio Wal-Mart. Entre as sugeridas, PricewaterhouseCoopers, Deloitte e Ernst & Young. Os frigoríficos deverão entregar os primeiros laudos em 90 dias.
A decisão é mais um desdobramento do relatório "A Farra do Boi na Amazônia", publicado pela organização ambientalista Greenpeace, e a lista do Ministério Público Federal do Pará (MPF) e do Ibama sobre empresas da cadeia da pecuária acusadas de contribuírem para desmatar a maior floresta tropical remanescente no planeta. O relatório do MPF não poupou grandes nomes nem marcas associadas à sustentabilidade, como a dos detergentes Ypê.
De olho nas inevitáveis ranhuras de imagem, as varejistas Wal-Mart, Pão de Açúcar e Carrefour anunciaram um boicote conjunto da carne bovina oriunda do Pará. Só não explicaram quais unidades de abate de bovinos iriam suprir a demanda interrompida do Estado. O Pará fornece 12% do total da carne adquirido pela Wal-Mart no Brasil, segundo informou o presidente da empresa no Brasil, Héctor Núñes.
De qualquer forma, a exigência da Wal-Mart de laudos independentes dos frigoríficos é um passo mais concreto que o simples anúncio de boicote. Isso porque a decisão de deixar de comprar não responde a algumas perguntas: como saber quais fazendas fornecedoras de gado na Amazônia cumprem, de fato, a legislação ambiental? Quem tem o controle sobre isso? As propriedades passarão a ser mapeadas por satélite (a única maneira precisa de checar desmates)?
"Vamos iniciar o processo de auditoria para entender a origem e o transporte dos animais", explicou Núñes, em entrevista à imprensa. Os custos da certificação, disse, ficarão com os próprios frigoríficos.
Embora digam que conhecem seus fornecedores e garantem suas práticas corretas em relação ao ambiente, os varejistas, na verdade, não têm hoje outro mecanismo de monitorar a veracidade dessas informações a não ser pela chamada "lista negra" de propriedades embargadas publicada pelo Ibama. E a fiscalização do Ibama, como se sabe, contém muitas falhas.
"E o que você quer que a gente faça? O papel do Estado?", questiona o ex-ministro da Agricultura e atual membro do conselho de sustentabilidade e administração do JBS/Friboi, Pratini de Moraes. "Nos baseamos nos dados oficiais".
Pratini, que já presidiu a Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (Abiec), atrelou o debate do desmatamento a interesses comerciais. Embora defenda a Amazônia, disse que o desmatamento é a nova barreira não-tarifária de concorrentes e organizações ambientais. "Cansaram da vaca louca e da febre aftosa, agora pegaram outra coisa", disse ele, minutos antes da assinatura do compromisso público dos fornecedores e a varejista Wal-Mart.
Enquanto Núñes falava a uma plateia silenciosa, representantes de um grande frigorífico conversavam nos corredores sobre as novas exigências. Um deles não parecia feliz com o "curto" período de tempo para a adequação das fazendas.
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