Por Fabíola Munhoz
A pedido da ONG Preserve Amazônia, o advogado e especialista em Direito Ambiental, Francisco Carrera, elaborou um parecer, já encaminhado ao Senado Federal, em que reúne argumentos capazes de comprovar a inconstitucionalidade da Medida Provisória (MP) 452/08. A MP, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está sendo votada pelos senadores, pretende tornar menos rígido o processo de licenciamento ambiental para obras em rodovias federais, além de modificar as normas relacionadas ao Fundo Soberano do Brasil.
Alterada e transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 05/09, a medida é muito criticada por ambientalistas e senadores, como Marina Silva (PT/AC), que se absteve da votação. Nesse contexto, Carrera concedeu uma entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, em que explica por que o PLV 05/09 é inconstitucional e alerta para o risco que a demarcação de terras indígenas, como a de Raposa Serra do Sol (Roraima), pode representar à defesa dos recursos naturais brasileiros. Confira.
Amazonia.org.br- Por quais motivos a MP 452/09, transformada em PLV 05/09, é inconstitucional?
Carrera- O PLV 05/09 pretende alterar importante dispositivo da lei nº 6.938/81, que rege a Política Nacional do Meio Ambiente, tornando menos restritivas as regras de licenciamento ambiental para obras em rodovias já existentes. Esse sistema é representado por Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), que até hoje vêm dando proteção efetiva ao meio ambiente, conforme o art. 225 da Constituição Federal, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao poder público o dever de defendê-lo.
O mesmo artigo constitucional exige, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. Porém, o senador Eliseu Rezende (DEM/MG) propôs emenda ao PLV 05/09, que dispensa a licença prévia para obras de pavimentação, adequação, ampliação de capacidade e duplicação de rodovias federais.
Se o próprio texto constitucional exige a realização do estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de dano ao meio ambiente, não há o que se falar em supressão de qualquer outra fase do licenciamento ambiental. O PLV, portanto, afronta o art. 225 da Constituição Federal e a lei 6938/81, que não traz no seu texto a citação de cada um dos tipos de licença que mencionei- quem determina isso é o decreto 99.274/90-, mas exige o licenciamento prévio para "construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental".
Amazonia.org.br- Os defensores da MP 452 dizem que a flexibilização do licenciamento ambiental se justifica porque valerá apenas para pavimentação e ampliação das rodovias. No entanto, ampliar não significa modificar o meio, com chances de impactá-lo?
Carrera- Sim. E, mesmo para a ampliação de uma estrada, é exigida a licença prévia. Criar uma lei que irá permitir o início das obras de ampliação ou duplicação de uma rodovia sem o processo anterior de verificação dos impactos ambientais do empreendimento é abrir mão de um patrimônio natural que é nosso, e que a soberania nacional nos obriga a proteger. Não estamos questionando a mera pavimentação de rodovias já existentes sem avaliação prévia, mas sim, sua ampliação ou duplicação. Além disso, a elaboração dessa MP deveria ter sido debatida por toda a sociedade, incluindo-se as populações diretamente afetadas pelas obras em rodovias.
Amazonia.org.br- O que foi feito com o parecer elaborado pelo senhor e qual será seu efeito prático?
Carrera- Esse parecer já foi entregue a todos os senadores, não só àqueles que integram a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e, caso os argumentos contidos nele não sejam acatados, acredito que a ONG Preserve Amazônia continuará propondo as medidas cabíveis. Por exemplo, poderá ser proposta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) do PLV, caso ele seja aprovado.
Amazonia.org.br- Se muitas obras danosas foram aprovadas, mesmo com a exigência da licença prévia, que se pretende eliminar com o PLV 05/09, o problema ambiental brasileiro é de ordem legal ou sua causa principal é a má atuação do poder público?
Carrera- Não faltam leis nesse país. Temos normas até demais. O direito a um meio ambiente saudável, por ser um direito difuso, pode ser relacionado a todas as outras áreas da vida humana. O problema está na não-aplicação do Direito Ambiental pelas autoridades. E devemos lembrar que a riqueza da Amazônia, por exemplo, não está só na floresta, mas também no seu subsolo. Você sabe por que foi demarcada a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima? Porque, no subsolo daquela área, há reservas de nióbio- material utilizado para fabricação de produtos sujeitos a altas e baixas temperaturas, como aviões e foguetes- e há muitos estrangeiros que têm interesse na exploração desse minério. Para mim, essa demarcação foi uma afronta à soberania nacional.
Amazonia.org.br- Qual é então a saída para se conciliar o reconhecimento dos territórios indígenas e a defesa dos recursos naturais, que são patrimônio nacional?
Carrera- Deveria haver, antes da demarcação, uma garantia de que a riqueza daquela terra será aproveitada pelos próprios índios. Porém, nenhuma medida foi tomada conjuntamente à demarcação de Raposa Serra do Sol, que nos dê essa certeza. Hoje, por exemplo, quando a lei de gestão de florestas públicas permite a licença para o manejo florestal em uma área, não dá preferência à gestão do projeto pela população que vive na floresta. O ideal seria que a comunidade local se organizasse para cuidar do patrimônio natural que é seu, mas, em geral, a concessão para esses projetos seleciona pessoas de fora da comunidade para gerenciá-los, levando em conta outros motivos.
Amazonia.org.br- O senhor acredita que as recentes discussões sobre a votação de uma lei que pode permitir a exploração de minérios em terras indígenas é, então, proposital e relacionada à demarcação de Tis como Raposa Serra do Sol?
Carrera- Sem dúvida alguma. A demarcação e a lei vêm de um mesmo motivo, que é econômico, e ameaçam a soberania nacional, tornando nosso patrimônio ambiental e nossos recursos naturais vulneráveis.
Amazonia.org.br- Durante sua atuação profissional em Direito Ambiental, tem observado o aumento da procura por seus serviços e maior organização da sociedade civil na defesa de um meio ambiente saudável?
Carrera- Sim. Com a mudança da lei de ação civil pública, que deu permissão a organizações da sociedade civil para proporem esse tipo de ação, passou a haver maior pressão para o cumprimento das normas de Direito Ambiental por governantes. Porém, não basta as ONGs terem conhecimento do que acontece e pressionarem sozinhas o poder público. É preciso que as populações afetadas pelas obras danosas ao meio ambiente possam realmente participar dos processos de decisão. Essas comunidades têm direito a não ser enganadas pelas empresas, que prometem a elas vantagens desses empreendimentos, quando esses só prejudicarão a população local. Esses povos também devem ter assegurado o direito de expressar sua ideia particular de desenvolvimento e seu conhecimento milenar.
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