Editorial
MP da regularização fundiária aprovada no Congresso é um avanço, pois costura equilíbrio entre visões antagônicas
A REGULARIZAÇÃO fundiária das áreas da União ocupadas na Amazônia constitui um dos raros temas sobre os quais há algum consenso acerca dessa parte do Brasil. São 674 mil km2 -8% do território nacional- sem titulação ou com documentos inconfiáveis. Ruralistas e ambientalistas concordam em que a medida traria uma onda virtuosa de justiça social e segurança jurídica para a região, precondição para sua integração à moderna economia do país.
O acordo sobre a necessidade da regularização, contudo, não se estende a todo o conteúdo da medida provisória aprovada pelo Congresso na quinta-feira e aguardando sanção do presidente Lula. Pelo texto, poderão ser alienadas aos detentores posses de até 1.500 hectares (15 km2).
Os que se batem pela preservação da floresta consideram o limite excessivo, um prêmio à grilagem de terras. Como se sabe, a ocupação de terras públicas para pecuária é um dos grandes vetores do desmatamento.
Com efeito, o conceito legal de pequena propriedade -objeto principal da pretendida regularização- é o de quatro módulos fiscais (na região, em geral 400 hectares). Como a lei prevê que propriedades na Amazônia mantenham intocados 80% da mata, sobrariam para uso 300 desses 1.500 hectares, o que não cabe chamar de latifúndio.
Não soa absurdo que Lula tenha optado por uma extensão mais ao agrado do interesse dos agricultores. De todo modo, as posses entre 400 ha e 1.500 ha são só 10% dos imóveis, ou 12% da área em questão, nada que ofusque o mérito da iniciativa.
Há pontos mais polêmicos na medida aprovada, e eles foram introduzidos na Câmara. O texto, mantido no Senado, prevê que terras da União também sejam tituladas para pessoas jurídicas e por meio de prepostos. Sua venda poderia ocorrer após três anos. Não parece haver dúvida de que tais dispositivos abrem brechas para desmembrar de modo fraudulento posses maiores que 1.500 ha.
Há que levar em conta, porém, que nesses casos a alienação será onerosa e realizada por meio de licitação. Não se pode falar, portanto, de doação de patrimônio público. Além disso, fixar um prazo mais dilatado para venda, como os dez anos exigidos dos minifúndios regularizados sem ônus, não impedirá a proliferação de contratos de gaveta na Amazônia -precisamente o oposto da ordenação jurídica que se pretende alcançar.
A ala ruralista do Senado, liderada pela relatora Kátia Abreu (DEM-TO), abriu mão de alterações ainda mais permissivas, para evitar novas votações e a perda de validade da MP. Já os vetos defendidos pela senadora Marina Silva (PT-AC) foram derrotados no plenário. É improvável que o Planalto os aceite.
A medida provisória sobre a mesa presidencial pode não ser a ideal para passar uma régua na balbúrdia fundiária que impera na Amazônia, mas surge como o compromisso político possível em meio ao antagonismo que costuma paralisar todo e qualquer debate sobre a região.
Um avanço, sem dúvida.
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