domingo, 23 de janeiro de 2011

Tombamento no Amazonas

Artigo de Joaquim Falcão
Professor de direito da Fundação Getulio Vargas

A Justiça Federal terá de decidir se o tombamento realizado pelo Iphan do encontro das águas dos rios Negro e Solimões é legal ou não. A Procuradoria- Geral do Amazonas entrou com ação apontando inúmeras irregularidades no processo administrativo de tombamento.

São alegações sérias que devem ser levadas em conta. Ultrapassam em muito a questão da Amazônia. Dizem respeito à legalidade dos procedimentos seguidos tanto na avaliação técnica quanto na decisão do Conselho Consultivo. Diz respeito a todos os tombamentos feitos pelo Iphan.

Faz 73 anos que o Iphan foi criado e 22 anos que a Constituição de 88 está em vigor. O conselho nasceu durante a ditadura de Getúlio, e a Constituição na redemocratização. É preciso compatibilizá-los. Até hoje o conselho não tem um regimento interno.

Inexiste previsão de como os processos são distribuídos para os relatores. Até no Supremo é por sorteio. No Iphan, não. A escolha é do presidente. O que não garante a imparcialidade. Outros interesses públicos estão em jogo.

Interesses da sociedade também. Até no Supremo os advogados e os procuradores têm direto à sustentação oral para defender os clientes. No Conselho do Iphan, não. Até o Banco Central e o Ibama realizam consultas e audiências públicas para suas decisões. No Conselho, não. Quem propõe um tombamento e o corpo técnico for contra nunca vai ter o direito de ver sua proposta analisada. No caso da Amazônia, prazos de defesa não foram respeitados. O governo do estado tem que se manifestar depois de o relator ter dado seu voto. O contraditório não houve. Imparcialidade inexistiu. A Constituição ferida.

Mais ainda. O governo do Amazonas não teve acesso aos estudos técnicos que levaram mais de um ano para serem feitos pelo Iphan. O governo tinha que se pronunciar sobre sua intenção. Não se exerce direito de defesa sobre uma intenção. É impossível. A muito custo conseguiram-se os estudos, mas aí os prazos estavam esgotados. O tombamento deveria ter sido anulado pelo próprio Iphan.

O decreto de Getúlio Vargas que criou os procedimentos mínimos do conselho foi baixado num tempo em que inexistia federação e democracia. As pouquíssimas normas posteriores foram feitas longe da ótica dos direitos coletivos e individuais. Não assegura direito para as partes, seus advogados, procuradorias envolvidas, para os próprios conselheiros.

Não é a primeira vez que se contestam judicialmente esses procedimentos inconstitucionais. Inúmeros técnicos, conselheiros e autoridades do governo já tentaram antes sem sucesso. Tudo indica, no entanto, que o Iphan estaria agora convencido de rever os procedimentos. Na verdade, ou o Iphan toma a iniciativa de estabelecer normas administrativas democráticas, ou aumenta o risco de contestação dos tombamentos. Abre mão de decidir. A Justiça o fará.

O tombamento do encontro das águas e consequentemente de seu entorno afeta profundamente o desenvolvimento não somente do transporte fluvial, mas também das poucas alternativas de novos empreendimentos, como alerta a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas. Não se trata de ser contra a preservação do patrimônio. Trata-se, sim, de, numa democracia, respeitar o devido processo legal e formular políticas de inclusão da sociedade nas decisões da administração pública.

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