quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

País não conta a emissão do pré-sal

Para diretor do Greenpeace, governo não contabilizou emissões da nova exploração de petróleo, que podem superar as do desmate da Amazônia

Karina Ninni

Em novembro o Greenpeace lançou o relatório Mar, Petróleo e Biodiversidade - a Geografia do Conflito, em que resume a situação da costa brasileira. Dos 44% da extensão costeira considerados prioritários para a conservação da biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente, 2,57% são protegidos por unidades de conservação federais e 8,77% estão concedidos para exploração de petróleo e gás.

Com o pré-sal em alta no governo Dilma ao mesmo tempo em que o País reitera seu compromisso de redução de emissões nas conferências climáticas da ONU, sobra a dúvida: investir na exploração de petróleo é compatível com a ambição brasileira de ter uma economia de baixo carbono?

Para o diretor-executivo do Greenpeace no Brasil, não. Marcelo Furtado explica por que o Brasil pode estar trilhando o caminho errado e justifica o atraso do barco da ONG para chegar ao local do acidente da British Petroleum, no Golfo do México, no ano passado.

Depois de lançar o relatório Mar, Petróleo e Biodiversidade, o Greenpeace alertou que parte das áreas que deveriam ser conservadas em nossas águas já está concedida para exploração ou prospecção de petróleo. Mas as eleições coroaram a candidata do pré-sal. A percepção do público parece não coincidir com a de vocês. Procede?

Se essa é a percepção, o desafio que temos é não só o de brindar a sociedade brasileira com as informações que conseguimos, mas saber de que maneira a gente pode melhorar o fornecimento de informação estratégica para a sociedade, para que ela atue como um firme contrapeso às decisões que o País está tomando. Isso não é só em relação ao governo, também em relação às empresas. Se a gente está imaginando um Brasil maior e mais poderoso, agora que ele está mais integrado ao mundo global e mais rico - as empresas brasileiras estão se tornando grandes multinacionais, veja a Vale, a Petrobrás - precisamos de uma sociedade mais forte e bem informada.

O pré-sal causa mais rejeição no público com relação à atuação de vocês, ou isso sempre acontece quando o assunto é o Greenpeace?

O Greenpeace é uma organização de ativismo, que usa a estratégia de ações diretas não violentas e não recebe dinheiro de empresas e governos, e isso é valorizado pelo público em geral. O nível de rejeição na questão do pré-sal é muito maior do que a gente vê normalmente porque há um histórico sobre a questão do petróleo no Brasil, desde a campanha O Petróleo é Nosso. Mas há um outro porém: a população tende a pensar que, agora que está mais rica e que o País achou petróleo, o Greenpeace vai estragar a festa, dizendo que é preciso pensar de outro jeito. Na verdade, o que nós estamos dizendo é o seguinte: queremos uma economia forte, um país forte, com menos desigualdade e educação melhor, mas a maneira de financiamento desse processo não precisa se dar através da política do petróleo.

Lançamos (na COP do Clima) em Cancún um estudo que assegura que o Brasil tem a condição única - nenhum outro país do globo tem - de ter uma matriz 93% renovável abdicando do uso de petróleo, de energia nuclear e de carvão, e que custaria R$ 100 bilhões a menos do que o projeto atual proposto pelo governo. Nós não queremos que as pessoas sejam contra o pré-sal, queremos que elas reflitam. É dinheiro público - dinheiro nosso, do contribuinte brasileiro, que será investido.


Vocês temem que as emissões do pré-sal nos prejudiquem no futuro?

Projeções mostram que as emissões do pré-sal podem ser iguais ou maiores do que o desmatamento da Amazônia inteira. E nas contas de emissões que o Brasil tem apresentado não estão computadas as emissões do pré-sal. A meta de redução de emissões que o País apresentou em Copenhague e reiterou em Cancún não leva em conta as emissões do pré-sal.

Da maneira como foi construído o arcabouço regulatório do pré-sal, o governo estimula as concessionárias a explorar as áreas no menor tempo possível. O governo não vai ter a menor gestão sobre o que está saindo de lá. Acontece que toda e qualquer emissão oriunda dessa exploração entra na contabilidade do Brasil. É preciso construir um mecanismo de monitoramento e controle online nas plataformas, para evitar o que ocorreu, por exemplo, na refinaria de Duque de Caxias há alguns anos, onde uma simples transferência de óleo de um tanque para o outro provocou um vazamento de 40 mil litros na Baía da Guanabara. Depois do acidente da British Petroleum os países estão repensando suas concessões. Nos Estados Unidos, as novas licitações ainda estão congeladas.

Por falar na BP, o barco do Greenpeace demorou três meses a chegar ao local do acidente, no Golfo do México. Especulou-se sobre as relações da ONG com a petrolífera.

No dia seguinte à divulgação do acidente já tínhamos equipe na região. E a primeira coisa que a gente fez foi levar um especialista para a área para mapear e quantificar quais eram os impactos para o meio ambiente e o bioma local. Isso muito antes de o barco chegar. No momento em que o barco chegou, três meses depois, porque estava em outra missão, lá no Ártico, nós já tínhamos muita coisa feita.

QUEM É

Marcelo Furtado
Diretor-executivo do Greenpeace

Engenheiro químico, está no Greenpeace há 20 anos. Em 2008 assumiu a diretoria executiva da ONG no Brasil, depois de ter coordenado a campanha internacional contra o comércio de lixo tóxico, além de campanhas sobre clima, energia, florestas, oceanos e transgênicos.


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