quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Belo Monte não vale a pena. Entrevista especial com Roland Widmer

A discussão é tão grande e tão antiga em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no coração da Amazônia, que certamente os investidores sabem os problemas e as consequências que essa obra trará para o povo e a biodiversidade da região.  Mas, ainda assim, e em boa hora, um grupo de pesquisadores lançou um amplo relatório intitulado "Análise de Riscos para Investidores no Complexo Hidrelétrico Belo Monte".  Entrevistado pela IHU On-Line, por telefone, Roland Widmer, coautor do estudo e coordenador do Programa Eco-Finanças da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, alertou para os riscos que as empresas que financiam o projeto correm.  “Os bancos que se chamam sustentáveis podem ter seu discurso contrastado pelo financiamento de Belo Monte.  Como nós desenvolvemos no estudo, a obra de construção da barragem vai causar grandes impactos sociais e ambientais negativos, e, por consequência, a reputação, a imagem do banco perante a sociedade sofreria fortemente”, afirmou.

Roland Widmer é graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Genegra (Suíça) e mestre em Responsabilidade e Prática de Negócios pela University of Bath (Inglaterra).  Atualmente, é coordenador de projetos na ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quais são as principais conclusões do relatório que analisou os riscos para investidores no projeto de Belo Monte?

Roland Widmer – As principais conclusões incluem o seguinte: a construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte pode colocar em cheque a reputação dos financiadores e das empresas que se envolvem nisso.  Por que isso?  Por que esse empreendimento combina várias categorias de riscos e em cada uma dessas categorias de riscos, sejam elas financeiras, legais ou de reputação, a efetiva de perdas pode ser grande.  E, então, concluiremos que realmente a relação custo/benefício está muito ruim.  Além do mais, podemos observar que existem incertezas grandes sobre o custo de construção e sobre a própria capacidade de geração de energia, ou seja, é um empreendimento que não vale a pena.

IHU On-Line – Diante de quem essas empresas envolvidas no projeto de Belo Monte podem ter sua reputação negativada?

Roland Widmer – Diante de seus clientes e da sociedade como um todo.

IHU On-Line - Que influência esse processo de reputação negativada pode ter sobre essas empresas?

Roland Widmer – Basicamente, eles podem sujar o nome deles e isso tem um impacto grande, principalmente em termos de credibilidade.  Imagina, por exemplo, um banco de primeira linha associado a Belo Monte, um banco que, em geral, não economiza em fazer muita comunicação sobre suas boas intenções, em termos de sociedade, em termos de meio ambiente.  Os bancos que se chamam sustentáveis podem ter seu discurso contrastado pelo financiamento de Belo Monte.  Como nós desenvolvemos no estudo, a obra de construção da barragem vai causar grandes impactos sociais e ambientais negativos, e, por consequência, a reputação, a imagem do banco perante a sociedade sofreria fortemente.  Num mundo onde uma grande fatia do valor de uma empresa está atrelada à reputação, uma marca negativada tem muito a perder.


IHU On-Line – Quais são as empresas envolvidas nesse processo e que receberam uma cópia do relatório?

Roland Widmer – Essa pergunta, na verdade, tem dois aspectos diferentes.  O primeiro público alvo desta publicação são as instituições financeiras que são suscetíveis ou que podem analisar esse empreendimento.  São, portanto, os bancos públicos.  Em primeiro lugar, então, está o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que já falou que pretende financiar boa parte das obras, e, com isso, já liberou o primeiro crédito de mais de um bilhão de reais para, principalmente, compra de equipamentos para início das obras.  Depois temos os outros bancos públicos: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, mas também outros fundos nacionais, como o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO.  Depois temos os bancos privados, dos quais focamos nos bancos maiores e também de porte médio.


IHU On-Line – Como você avalia a responsabilidade das ações bancárias dentro do bioma amazônico?

Roland Widmer – Dentro do bioma amazônico, como em qualquer lugar, os bancos têm grandes responsabilidades referentes ao tipo de empréstimos e financiamentos que eles fazem.  A legislação é clara nesse sentido.  No caso de Belo Monte, nós temos indícios de falhas nos processos que fazem com que exista realmente um risco para uma responsabilização dos bancos que entraram no financiamento da obra.  Isso pode resultar em processos contra esses bancos financiadores.

No mais, além da legislação, alguns bancos aderiram a compromissos voluntários, dentre eles podemos citar dois instrumentos que são de grande relevância no caso de Belo Monte, são eles: o Protocolo Verde, que é um protocolo de intenções assinado por bancos públicos, que tem um segundo instrumento assinado por bancos privados, bancos comerciais.  E, em segundo lugar, podemos citar os Princípios do Equador, que formam um conjunto de dez, por assim dizer, princípios que se aplicam à modalidade de financiamento que se chama Project finance (Financiamento de projetos, em português), e é precisamente esta modalidade de financiamento que se pretende aplicar ao caso de Belo Monte.

IHU On-Line – Quais são os riscos associados à capacidade do empreendedor em atender obrigações legais de investimento em ações de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais do empreendimento?

Roland Widmer – O empreendimento de Belo Monte obteve uma licença prévia.  Nessa licença prévia foi identificada uma série de condicionantes que dizem justamente a respeito das questões sociais e ambientais e outras que devem ser resolvidas antes da obtenção da licença de instalação (LI), que seria a próxima etapa.  E aí cabe observar que a maioria dessas condicionantes ainda não foi atendida.  Além disso, há indícios de que o consórcio que promove a construção de Belo Monte não tem a liquidez necessária e/ou o comprometimento necessário para fazer atender a estas condicionantes antes de se obter a LI.  O que existe é um certo grau de pressões políticas para esta licença de instalação sair em desrespeito ao processo que rege, que governa o licenciamento.

IHU On-Line – Quais são os riscos relacionados aos possíveis reservatórios adicionais no projeto das barragens?

Roland Widmer – O desenho atual do projeto prevê a barragem de Belo Monte e só.  Demais barragens não são previstas; aliás, são vetadas do nível federal para este mesmo rio, por enquanto.  Agora, por si só, Belo Monte chegaria a funcionar muito aquém da capacidade instalada, ou seja, enquanto a capacidade instalada verifica em torno de 11.200 megawatts, a capacidade efetiva vai chegar a, mais ou menos, 39% deste valor.  Ou seja, financeiramente, do ponto de vista econômico, Belo Monte não vale a pena, daí a pressão para se construir mais hidrelétricas no mesmo rio.  E, além disso, se forem construir mais hidrelétricas, qualquer hidrelétrica no mesmo rio, a montante, os impactos sociais e ambientais se multiplicariam.

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