terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A conta cara da energia

Opção às fontes sujas, as hidrelétricas acarretam um outro tipo de problema: os graves danos ambientais às regiões onde são construídas

Vinicius Sassine

A expansão da produção de energia elétrica no Brasil vive uma encruzilhada.  Por um lado, a saída encontrada pelo governo foi o estímulo a fontes sujas e inseguras de energia, com mais investimentos em usinas termelétricas e nucleares, como o Correio mostrou na edição de ontem.  Por outro, dezenas de projetos de hidrelétricas se arrastam por anos — ou até décadas — por causa dos graves impactos ambientais das obras.  Fontes renováveis de energia, as usinas hidrelétricas continuam sendo as principais apostas de incremento de eletricidade nos próximos dez anos.  Os danos às regiões onde os projetos chegarão, porém, mostram um incalculável custo ambiental para o país ter mais energia.

Um levantamento presente no recém-concluído Plano Decenal de Energia (PDE 2010-2019), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), calculou o quanto de unidades de conservação será perdido por causa dos alagamentos necessários para a construção das hidrelétricas.  As unidades preservam o que resta dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia e o Cerrado.  As novas hidrelétricas terão reservatórios que somam 7,68 mil km² — 4,89 mil km² de florestas serão alagados, o equivalente a 85% da área do Distrito Federal (DF).

Ao todo, 18 usinas hidrelétricas atingem direta ou indiretamente unidades de conservação, uma perda ambiental considerável.  Segundo os cálculos do PDE 2010-2019, as áreas de floresta alagadas equivalem a 0,06% do território brasileiro.  Os impactos são violentos também para a vida das pessoas — dezenas de comunidades ribeirinhas precisam deixar suas casas por causa das novas usinas.  Mais de 108 mil pessoas serão diretamente atingidas pelos projetos de hidrelétricas, a grande maioria na zona rural.  Treze usinas vão alagar terras indígenas.

O Brasil terá até 2019 mais de 60 usinas hidrelétricas, caso todas as previstas saiam do papel, e quase metade já obteve a concessão para o início das obras.  O Correio apurou que 37 empreendimentos representam algum risco de grave dano ambiental e, por essa razão, boa parte delas não consegue licença ambiental definitiva.  Muitos projetos se arrastam na Justiça, depois de diversas ações movidas pelo Ministério Público.

O caso mais recente é o da Usina Hidrelétrica Teles Pires, no rio de mesmo nome, na divisa entre Mato Grosso e Pará.  Uma liminar da Justiça Federal paraense suspendeu o licenciamento em 14 de dezembro.  Segundo a acusação do Ministério Público Federal (MPF) do estado, havia “falhas graves” no estudo de impacto ambiental elaborado pela empresa.  “O Ibama tentou ‘fatiar’ o licenciamento das seis usinas previstas para o Rio Teles Pires”, acusaram os procuradores.

Esse é um dos problemas recorrentes no planejamento de novas hidrelétricas no país.  Vários projetos são previstos para um mesmo curso d’água, o que potencializa as complicações ambientais.  Segundo o PDE, os Rios Tapajós e Jamanxim receberão seis novas hidrelétricas, duas delas entre as maiores do país: São Luiz do Tapajós e Jatobá.  A primeira só não vai gerar tanta energia quanto a usina de Belo Monte, também no Pará, no Rio Xingu.

Belo Monte é o maior empreendimento hidrelétrico do país e tem uma série de restrições ambientais, já apontadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).  A energia que São Luiz do Tapajós vai gerar é quase o dobro da geração prevista para a usina de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia.  Este é outro projeto questionado na Justiça, um dos maiores do país.  Belo Monte ainda não tem licença de instalação.  Jirau está com as obras avançadas.

As usinas no Rio Tapajós estão entre as mais danosas ao bioma local, conforme as primeiras informações prestadas ao Ibama.  Duas florestas e um parque nacional serão inundados.  Há impactos ainda para atividades de pecuária, extrativismo, pesca e agricultura familiar.  A hidrelétrica de Serra Quebrada, no Rio Tocantins, vai, além de inundar áreas prioritárias de conservação da biodiversidade, alagar cavernas e uma terra indígena, a Apinaye.

Mesmo depois de recuo por parte do governo federal, duas usinas hidrelétricas estão programadas para o Rio Araguaia, como mostra o PDE 2010-2019.  Eram três, como planejou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).  A usina de Santa Isabel não aparece no PDE, mas Torixoréu e Couto Magalhães estão previstas.

O Rio Araguaia tem um ciclo próprio de cheias e as usinas podem alterar esse ciclo de forma irreversível, segundo ambientalistas.  Além disso, há previsão de impactos em 29 sítios arqueológicos na região de Torixoréu.  No caso de Couto Magalhães, famílias que vivem da agricultura familiar precisarão procurar novas fontes de renda.

Com tantos empecilhos para a execução dos projetos, o governo brasileiro decidiu apostar nas termelétricas e em usinas nucleares.  “O Brasil tem a matriz energética mais limpa do mundo, mas há muitas dificuldades no licenciamento das hidrelétricas.  Alguns demoram sete anos ou mais”, afirma José Aroudo Mota, coordenador de Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).  Para o economista, o país não tem escolha e está diante de uma encruzilhada energética.  “A economia terá crescido mais de 7,5%, e é preciso gerar energia.”

Segundo José Aroudo, o modelo de hidrelétricas existente hoje não está ultrapassado.  O problema está na falta de “investimentos contínuos” na geração de energia e nos entraves para os licenciamentos.  “Agora, o país precisa gerar energia num curto prazo.”

Por toda parte

A quantidade de usinas hidrelétricas previstas para duas regiões brasileiras chama a atenção.  Na Amazônia, estão os maiores projetos de geração de energia, tanto os que já tiveram início quanto aqueles que ainda estão na prancheta.  Ao todo, serão 13 usinas: Belo Monte, a maior delas, no Rio Xingu; Jirau e Santo Antônio, estas já em fase avançada de construção, no Rio Madeira; quatro usinas no Rio Teles Pires (que perpassa pela Região Amazônica no Mato Grosso); e seis projetos nos Rios Tapajós e Jamanxim, no Pará, estado que passaria a gerar a maior parte da energia consumida no país na próxima década.

O Nordeste também passará a concentrar uma grande quantidade de usinas hidrelétricas.  Somente para o Rio Parnaíba, na divisa do Piauí com o Maranhão, são previstos cinco empreendimentos.  A região é prospectada também para a instalação da próxima usina nuclear brasileira, depois de Angra 3, em fase de construção.

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