Opinião
Por Marcelo Leite
Manobra do Ministério da Agricultura visa desfigurar o Código Florestal
Idiotia é uma forma de retardo grave. Com alguma licença, o termo pode ser aplicado à mais recente manobra do Ministério da Agricultura, em conluio com a Frente Parlamentar da Agropecuária (vulgo bancada ruralista do Congresso Nacional), para desfigurar o Código Florestal. Por qualquer ângulo que se considere, ela é atrasada e retrógrada.
A proposta foi vazada por ONGs que participaram de duas reuniões de um grupo de trabalho composto pelas pastas da Agricultura, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário. Já não participam mais.
Os ambientalistas retiraram-se em protesto contra uma sugestão de mudança que faz o debate sobre a mudança do Código Florestal recuar sete anos, à proposta de reforma do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR). Seu projeto baixava de 80% para 50% a reserva legal de propriedades que tivessem derrubado floresta tropical na Amazônia, e de 35% para 20% as áreas de cerrado na mesma região.
Em 2001, quando esse projeto foi aprovado em comissão mista do Congresso, houve um enorme protesto. A reforma do código não prosperou. Agora se levanta do túmulo.
A nova investida ruralista, chancelada ao que parece pelo ministro Reinhold Stephanes, ressuscita o projeto Micheletto. Se não o corpo, por certo seu espírito. Um espírito chantageador, que acusa o Código Florestal de inviabilizar a agricultura nacional, embora esta tenha prosperado como nunca durante sua vigência.
Propõe-se ali, por exemplo, uma anistia para todas as áreas de preservação permanente (APPs, coisas como margens de corpos d'água e topos de morro) ocupadas irregularmente antes de 31 de julho de 2007. Em outras palavras, a velha política brasileira de premiar quem descumpre a lei.
Há mais, porém. A redução da reserva legal a até 50% (floresta amazônica) e até 20% (áreas de cerrado na Amazônia) reviveria à sombra do zoneamento ecológico-econômico. Onde ele fosse feito, os governos estaduais teriam a prerrogativa de instituir percentuais menores que 80% e 35%, respectivamente.
Para usar uma metáfora bem rural, seria pôr a raposa para cuidar do galinheiro. Para usar outra, seria abrir a porteira -pela qual passariam então a boiada e bancada do desmatamento, sem aperto nem afobação.
Espantoso é o momento escolhido para ventilar o retrocesso. Na mesma semana, o governo federal anunciou o compromisso de reduzir o desmatamento em 40%, até 2010, e em mais 60%, até 2017, chegando a 5.000 km2 anuais (contra 19.500 km2 na média anual do período 1996-2005 e 11.900 km2, agora).
Divulgou, também, um aumento de 4% na taxa de desmatamento amazônico de 2007/2008 em relação a 2006/2007. Interrompeu-se, assim, a série de três quedas anuais sucessivas. Ainda assim, era algo a comemorar com moderação, pois no final de 2007 havia expectativa de que fosse bem maior, de uns 40%.
Pior, a proposta ruralista-ministerial veio à luz na semana em que começou em Poznan (Polônia) a reunião de negociação internacional sobre mudança climática. O governo brasileiro tinha para exibir ali o trunfo da adoção de metas quantitativas de combate ao aquecimento global, reduzindo sua principal fonte de emissões de carbono (desmatamento).
O aval de Stephanes à proposta arrasadora, se confirmada, sinaliza o seguinte para eventuais doadores internacionais ao Fundo Amazônia: nossas metas não devem ser levadas a sério.
MARCELO LEITE é autor dos livros "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
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