quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Envolverde - Expedição científica identifica fragmentos de cerrado localizados no meio da floresta amazônica e possíveis novas espécies


Por Redação do WWF-Brasil

Segundo os pesquisadores, o isolamento natural do ambiente de cerrado que compõe o Parque Estadual do Guariba pode gerar variações genéticas o que o torna um ambiente ideal para abrigar espécies novas, ou mesmo endêmicas, de plantas e animais.

Com o objetivo de reunir informações sobre a fauna e flora para subsidiar a elaboração do plano de gestão do Mosaico de Unidade de Conservação do Apuí – documento essencial para promover a implementação eficiente e a gestão integrada do conjunto de unidades de conservação que o compõe – foi realizada, entre os dias 31 de outubro e 18 de novembro, no sul do Amazonas, a Expedição Científica Rio Guariba.

Entre os resultados alcançados, destacam-se a identificação de fragmentos de cerrado cercados por maciços de floresta tropical Amazônia e a descoberta de possíveis espécies novas, associadas a esses ambientes.

Sob a coordenação do Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS), a iniciativa, realizada em parceria com o WWF-Brasil, contemplou duas das nove unidades de conservação que compõe o mosaico: o Parque Estadual do Guariba (Parest Guariba) e a Reserva Extrativista do Guariba (Resex Guariba).

Esse conjunto de áreas protegidas funciona como importante barreira ao avanço do desmatamento e degradação ambiental, impulsionada pela expansão da soja, da pecuária e pela grilagem que vem especialmente do norte do Mato Grosso, em direção ao Sul do estado do Amazonas.

Instituídas em forma de mosaico, essas unidades de conservação têm suas funções otimizadas já que tomam como base a articulação das iniciativas promotoras de uma gestão ecossistêmica e integrada, visando à conservação do meio ambiente e à melhoria da qualidade de vida das populações locais.

No entanto, pouco se sabe sobre essa região, especialmente a área que corresponde ao Parest a qual, durante a expedição, recebeu a visita de pesquisadores pela primeira vez.

Chegar até as áreas a serem estudadas foi o grande desafio da equipe multidisciplinar composta por cerca de 40 pessoas entre pesquisadores de diversas instituições e divididas em sete diferentes áreas temáticas (Ictiofauna, Herpetofauna, Ornitofauna, Mastofauna, Botânica, Potencial Madeireiro e Não Madeireiro e Análise de Paisagem), técnicos, piloteiros*, cozinheiras e profissionais de comunicação.

O acesso, especialmente ao Parque Estadual do Guariba, é extremamente difícil e é o que primordialmente tem mantido a área conservada.

A missão exigiu, então, um preparo logístico bastante complexo. Foram instalados dois acampamentos, um na área da Resex, às margens do Rio Guariba, e o outro no Parest situado há 11 km de distância do primeiro. Os pesquisadores também contaram com uma base de apoio de menor porte cuja localização seguia por mais 13 km em direção ao centro do parque.

A complexidade para acessar essas áreas consumiu também muito fôlego e energia dos participantes devido aos deslocamentos com longas distâncias, seja via fluvial ou terrestre.

A viagem para chegar até a área do primeiro acampamento descendo o rio Guariba durava, em média, oito horas, dependendo das condições do rio. Já os trajetos das trilhas de acesso aos pontos amostrais e entre acampamentos eram percorridos a pé.

Diariamente, os pesquisadores andavam por longas trilhas, navegavam por horas ou escalavam a grande serra que compõe o parque para chegar aos pontos de coleta preestabelecidos em busca de informações sobre a fauna e flora local, como a quantidade estimada e ocorrência de espécies.

“Todo esse esforço rendeu resultados ainda imensuráveis que, além de garantirem dados para estabelecer a caracterização preliminar dos ambientes naturais da região, podem contribuir sobremaneira para estudos científicos mais amplos sobre a Amazônia” analisou Henrique Santiago Alberto Carlos, Coordenador de Pesquisas e Monitoramento Ambiental de Unidades de Conservação do CEUC/SDS, que também coordenou toda a atividade.

Foram identificadas centenas de espécies da flora e da fauna local, algumas delas raras e de elevada importância ecológica. Os resultados também revelam a existência de possíveis espécies novas e ainda registros provavelmente inéditos para o estado do Amazonas, o que pode ampliar em muitos quilômetros as áreas de ocorrência de algumas plantas e animais.

Cerrado Amazônico

Segundo Flávia Souza, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e componente da equipe de Botânica, a topografia e a fitofisionomia de ambas unidades de conservação são alguns dos fatores responsáveis por essa diversidade.

A pesquisadora explica que o trecho contemplado pela expedição, caracteriza uma ampla parcela da paisagem de transição entre os biomas cerrado e floresta amazônica.

Esse predicado garante especial beleza cênica e promove a riqueza e variedade biológica do lugar. A pesquisadora explica ainda que é na área do parque que se pode perceber isso com mais propriedade já que abriga um enorme enclave de cerrado em plena floresta amazônica.

Compondo um cenário que encantou até os pesquisadores mais experientes, a paisagem avistada (logo que se ultrapassa a área da floresta tropical composta por árvores de médio e grande porte e se chega ao topo da serra) reúne campos sujos, campos limpos e o cerrado propriamente dito. Matas de galeria estão distribuídas ao longo dos igarapés que cortam a savana e correm pelas extensas lajes de pedra.

O solo da região é arenoso e de baixa fertilidade, abrigando uma vegetação semelhante às veredas do Brasil Central, com presença de buritis, buritiranas e outras palmeiras. Além disso, ao logo desse descampado, também foram encontrados pequenas ilhas de floresta tropical.

Outro ambiente curioso que compõe o lugar é a área alagada, coberta por uma lama mole (que lembra areia movediça) repleta de matéria orgânica e espécies muito peculiares (como plantas carnívoras). Passar por esse alagadiço, conhecido como melexete, era um divertido desafio para os participantes da expedição que, gerralmente, acabavam afundando.

“Esta diversidade de habitats distribuídos de maneia descontínua (como ilhas) condiciona a ocorrência de diversas espécies e o fato de esse enorme fragmento estar situado no meio de um maciço florestal denso, isolado da região de cerrado do centro-oeste do país, pode acarretar em uma variação genética nas plantas e animais o que favorece a probabilidade da existência de espécies novas e até mesmo endêmicas”, explicou a pesquisadora.

Numa analise macroscópica, já se pode citar alguns das descobertas. Entre as quase 400 espécies de pássaros identificados na região, foi possível avistar, por exemplo, espécies como o papagaio campeiro (Amazona ochrocephala), que possuem distribuição muito restrita que, após esse diagnóstico, terá sua área de abrangência ampliada.

Entre os possíveis novos achados estão três espécies de peixe. Uma delas tem características semelhantes às dos indivíduos do gênero copela (Copella sp) que são muito apreciados por adeptos da piscicultura ornamental, dado o padrão de colorido que esses animais possuem.

“Mas a confirmação dessas prováveis novas descobertas ainda depende de uma análise mais aprofundada. E essa lista ainda pode ser maior. Muitas das espécies coletadas geram a desconfiança de que sejam novas. Mas, na realidade, não me surpreendo. É isso que se espera de áreas que nunca foram amostradas”, declarou o coordenador da iniciativa.

A História explica o fenômeno

O território brasileiro abriga as mais extensas áreas de afloramento de rochas pré-cambrianas da América do Sul, entre elas o Escudo ou Complexo Brasileiro. O Mosaico de Unidades de Conservação do Apuí está localizado exatamente na área de interface ente as províncias geológicas da Bacia do Solimões e do Escudo Brasileiro, compondo uma área que favorece a existência de espécies e fitofisionomias semelhantes às florestas e savanas do Brasil Central.

A presença de cerrado isolado em plena floresta amazônica é considerada uma evidência de ciclos climáticos de aridez e de umidade que aconteceram durante o Pleistoceno.

Nos períodos frios e secos, os campos (cerrados) teriam ampliado sua distribuição, enquanto as florestas contraíram-se, formando manchas florestais e gerando novas espécies de plantas e animais. Já nos períodos mais quentes e úmidos, as florestas teriam ampliado sua distribuição e os campos recuaram, deixando algumas manchas que foram isoladas pela floresta.

O que é o mosaico do Apuí

Com mais de 2,4 milhões de hectares, o mosaico de unidades de conservação de Apuí integra partes dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, localizados ao sul do Amazonas, e reúne nove unidades de conservação:

* Parque Estadual do Guariba (72.296,331 ha.)
* Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bararati (153.083,340 ha.)
* Reserva Extrativista do Guariba (180.904,706 ha.)
* Parque Estadual do Sucunduri (1.006.350,041 ha.)
* Floresta Estadual do Sucunduri (545.163,522 ha)
* Floresta Estadual do Aripuanã (369.337,385 ha)
* Floresta Estadual do Apuí (286.161,751 ha)
* Floresta Estadual de Manicoré (171.300,187 ha)
* Reserva de Desenvolvimento Sustentável Aripuanã (260.380,111 ha)

Esse conjunto forma uma importante barreira ao avanço da degradação e ocupação desordenada vinda do centro-oeste Brasileiro. Nenhuma das unidades de conservação que o compõe, no entanto, possui plano de manejo.

Assim o reconhecimento dessas áreas como um mosaico visa à integração das ações de planejamento e gestão, fazendo com que cada unidade corresponda a um pré-zoneamento de uma única e grande unidade de conservação, permitindo a correção de erros na delimitação das mesmas.

(Envolverde/WWF-Brasil)

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