segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Envolverde - Amazônia na mídia: muita estatística, pouca reflexão


Por Lilia Diniz, da Agência Amazônia

Em debate no programa Observatório da Imprensa, jornalistas criticam cobertura da imprensa sobre a Amazônia.

RIO — O Observatório da Imprensa exibido terça-feira (2), pela TV Brasil e pela TV Cultura debateu a cobertura dos meios de comunicação sobre a Amazônia. A maior floresta tropical úmida do mundo, onde está a maior rede de rios do planeta e o maior volume de água doce da Terra, é constantemente posta de lado pela mídia. A imprensa noticia problemas como o desmatamento, queimadas e grilagem, mas ignora a complexidade da região.
Participaram do debate ao vivo os jornalistas Guilherme Fiúza, que está lançando o livro Amazônia, 20º andar, sobre a história dos empresários que difundiram o couro vegetal pelo mundo; Edilson Martins, que escreveu diversos livros sobre a Amazônia e Chico Araújo, diretor e editor da Agência Amazônia de Notícias.

Antes do debate ao vivo, o jornalista Alberto Dines comentou as notícias de destaque na coluna "A Mídia na Semana". O primeiro tema da seção foi a crítica que o procurador Thales Ferri Schoedl fez à imprensa após ser absolvido em um processo criminal. Acusado de matar um rapaz em São Paulo em 2004, Schoedl considera que os meios de comunicação o prejulgaram. Em seguida, Dines tratou da ação que o Ministério Público move contra a Rede TV!.

O programa "A Tarde é Sua" exibiu entrevistas com a adolescente Eloá Cristina Pimentel e Lindemberg Alves durante o seqüestro que culminou com a morte da estudante. O Ministério Público avalia que a emissora transformou o seqüestro da jovem em espetáculo midiático. O jornal carioca Tribuna da Imprensa, que deixou de circular na segunda-feira (1/12), foi o último tema da coluna. O combativo diário criado por Carlos Lacerda há quase seis décadas foi um dos mais perseguidos durante a ditadura militar.

No editorial do programa, Dines disse que a trajetória do líder sindical e ambientalista Chico Mendes foi esquecida pela mídia e que esta não valorizou a luta do líder nem na passagem dos 20 anos do assassinato. "A mídia trata freqüentemente do desmatamento da Amazônia. Menciona as últimas estatísticas, discute o placar da destruição ambiental como se fosse uma grande partida de futebol, mas a sociedade brasileira ainda não foi convocada para continuar a campanha de Chico Mendes em favor do desenvolvimento sustentável da Amazônia", criticou. A sociedade transformou o líder sindical em passado e não gosta de mexer no passado mesmo quando este ameaça a sobrevivência da espécie humana.

Amazônia, perto e longe

O Observatório exibiu entrevistas gravadas com jornalistas ligados à questão ambiental. Sérgio Abranches, diretor e colunista do site "O Eco" e cientista político, disse que a imprensa tem uma visão do resto do Brasil como se "o resto do Brasil fosse coberto por correspondentes estrangeiros". Cobre-se apenas o eixo Rio-São Paulo-Brasília e o restante permanece abandonado.

A imprensa publica com freqüência notinhas sobre estatísticas de desmatamento, mas noticia com maior destaque a discrepância entre os dados de diferentes institutos de pesquisa do que o desmatamento em si. “Eu costumo dizer que a gente não sabe o que tem na Amazônia porque a gente não pesquisa adequadamente. Nós estamos destruindo uma biblioteca cheia de livros que nós não lemos”, avaliou.

Para a editora de Ciência do jornal "O Globo", Ana Lúcia Azevedo, a floresta é o maior desafio da cobertura ambiental no Brasil. “É mais fácil cobrir o que está acontecendo no exterior do que na Amazônia”, disse. Falta estrutura tanto para jornais das regiões Sul e Sudeste quanto para a imprensa local. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) acredita que uma saída para resolver a questão seria a existência de uma agência de notícias baseada na região amazônica que fornecesse material para jornais, TVs e rádios.

Gabeira considera que houve um avanço na cobertura das revistas, sobretudo as publicações voltadas para os jovens e a classe média, e que a cobertura da internet é melhor do que a feita pela mídia tradicional porque tem mais capacidade técnica e agilidade. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, acredita que os meios de comunicação filmam o desmatamento, que é “o que vende jornal”, mas não cobrem de forma proporcional as práticas alternativas, como o manejo florestal.
Cobertura superficial

O programa também ouviu a opinião do supervisor geral do Repórter Eco, da TV Cultura, Washington Novaes, um dos pioneiros na cobertura de meio ambiente. O jornalista avaliou que não há estratégia nem dinheiro para se resolver os graves problemas da região. “O orçamento do Ministério do Meio Ambiente é ridículo”, criticou. Faltam dados em diversos setores, como o cadastro de terras. “É preciso dar mais atenção e exigir muito mais”, afirmou.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, que edita quinzenalmente em Belém do Pará o "Jornal Pessoal" e tem diversos livros publicados sobre Amazônia, comentou que a imprensa usa o “método de choque”. Só se mobiliza quando há um grande problema. As discussões propostas pelos veículos de comunicação não são aprofundadas e muitas medidas adotadas pelos governantes não têm continuidade. Essa falta de seqüência “faz com que o Brasil continue falando muito e entendendo pouco de Amazônia”.

No debate ao vivo, Edilson Martins contou que conheceu Chico Mendes pouco antes de 1975, quando o seringueiro era presidente do sindicato dos trabalhadores de Xapuri, no Acre. Para o jornalista, o assassinato de Chico Mendes é um dos exemplos dramáticos de como, eventualmente, a imprensa “pisa na bola”. Edilson Martins relembrou que uns dez dias antes da morte do líder sindical ofereceu ao "Jornal do Brasil" uma entrevista com Chico Mendes. O depoimento não foi publicado.

Na época, um dos editores do jornal, Zuenir Ventura, explicou que a direção considerou que o "entrevistado estava politizando a questão ambiental". Martins destacou que, naquele momento, nenhum editor de jornal no Brasil tinha noção da importância do seringueiro. Dois dias após a anunciada morte do sindicalista, o jornal publicou apenas 2 das oito laudas da entrevista.

Chico Araújo considera que a mídia desconhece a realidade da floresta. Araújo contou que durante o tempo em que trabalhou como correspondente de jornais da grande imprensa percebeu um distanciamento entre a direção dos veículos e a realidade da Amazônia. O jornalista concorda que a maioria dos meios de comunicação só se preocupa com as estatísticas de desmatamento e a diferença entre dados emitidos por instituições diferentes.

A sociedade não conhece a Amazônia e um dos fatores que contribui para esse fato é a ausência de editorias específicas para o meio ambiente e de correspondentes baseados na região. A imprensa não tem conhecimento e por isso não divulga problemas graves, como a situação dos índios e dos garimpeiros, a prostituição e a pirataria de essências e de plantas medicinais. Para a Amazônia ser salva é preciso que jornalistas, principalmente os que vivem na região da floresta, levem a realidade para os brasileiros.

Transformar a abstração em realidade


“Essa Amazônia da qual nós estamos falando não existe. É por isso que o leitor não se interessa”, avaliou Guilherme Fiúza. Fiúza comentou que a morte de Chico Mendes teve destaque nos meios de comunicação não só pela importância política do líder sindical, mas também pelo lado humano. “A Amazônia precisa de gente, de cara. A Amazônia não é um fetiche, um pulmão, um jardim, uma abstração”, disse. Para Fiúza, a floresta não é “um placar de desmatamento”, é uma conjunção de pessoas e ambientes que precisa deixar de ser remota. Para torná-la mais real, a imprensa deve divulgar histórias reais de pessoas comuns, e não só números. Termos como "plano de manejo" e "reserva extrativista" não costumam despertar a atenção da sociedade.

Fiúza contou que quando trabalhava no "Jornal do Brasil" e apresentou uma matéria sobre grilagem de terras em grandes proporções a um dos editores da publicação, Flávio Pinheiro. Diante daquela pauta, Pinheiro admitiu que se sentia um “ex-jornalista”, porque não conseguia se interessar sobre o tema. Fiúza comentou que mesmo matérias com forte apelo humano – como as que noticiavam a forma pacífica de resistência que Chico Mendes promovia, ao colocar mulheres e crianças diante de motosserras para impedir o corte de árvores, o “empate” – não conseguem atrair o leitor por muito tempo.

Na opinião de Chico Araújo, infelizmente, a imprensa do Norte do país não é militante nas questões ambientais e não cobre os problemas locais. O jornalista citou um exemplo do problema: quando trabalhava para o Estado de S. Paulo, jornais de Manaus e outras cidades da Amazônia esperavam a Agência Estado distribuir o boletim informativo com notícias sobre a região para elaborar a manchete dos jornais.

Abandonada pela imprensa e pelo Estado

Outra deficiência abordada por Chico Araújo foi a ausência do Estado na floresta. Para ele, é grave o fato de o governo não levar políticas públicas para a região. As poucas iniciativas existentes são dispersas. Outro fator que agrava a situação da imprensa local é o cerceamento da informação por parte dos governos estaduais. Muitos governos na Amazônia não têm interesse de que notícias desfavoráveis circulem pelo estado. Como alguns jornais regionais dependem da mídia governamental, seguem a pauta ditada pelo governo.

Edilson Martins avalia que o Sul do país “está de costas para a Amazônia” e que o olhar para a região está sendo cada vez mais reduzido. É difícil manter correspondentes dos jornais dos grandes centros urbanos na floresta e as equipes que esporadicamente visitam a Amazônia hospedam-se em hotéis caros e contratam guias. Por isso, as matérias têm um viés exótico e turístico. “Há uma indiferença grande”, lamentou o jornalista.

(*) Jornalista e produtora do programa Observatório da Imprensa.

(Envolverde/Agência Amazônia)

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