segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Envolverde - Amazônia: Diga sim!


Por Rafaella Parente*

Observar a Amazônia a 10 mil metros ou 33 mil pés de altitude faz lembrar as ilustrações existentes em livros de Geografia. Rios de inundar os olhos, verdes de perder de vista. Imensidão de água doce e floresta tropical que impressionam. Também pudera! A Amazônia Legal possui cerca de 5,2 milhões de quilômetros quadrados e abrange nove estados brasileiros (Acre, Amapá, Ama-zonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Estado do Maranhão). Não é a maior floresta do mundo - perde para a Floresta Boreal -, mas é a campeã no quesito biodiversidade, com aproximadamente 50 mil espécies catalogadas de plantas, três mil tipos de peixes e 1,7 mil aves diferentes.

O avião se prepara para o pouso e, a uma altura me-nor, a Amazônia se deixa ver em detalhes e a rea-lidade incomoda. O verde intenso vai perdendo a tonalidade. Polígonos e mais polígonos extraem a uniformidade da floresta. Eis o saldo da ação humana: desde 1970, já foram desmatados cerca de 700 mil quilômetros quadrados da floresta no Brasil. Da mata original, 17% já foi convertido em terra nua.

Segundo o Instituto do homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), organização não go-vernamental com sede em Belém, cerca de 45% da Floresta Amazônica está antropizada, ou seja, sofreu algum tipo de degradação por interferência humana. Projeções afirmam que se o desmata-mento seguir o mesmo ritmo, em 50 anos, a mata terá perdido 40% da vegetação.

“A Amazônia não está perdida. Os sistemas de monitoramento estão ajudando a localizar as áreas de desmatamento”, afirma Anderson Costa, pesquisador assistente na área ambiental e sensoriamento remoto do Imazon. O boletim do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgado em 29 de julho de 2008, mostra redução de 20% nos índices de desmate na Amazônia. Os alertas do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) apontaram 870 quilômetros quadrados de áreas desmatadas no mês de junho. Em maio,o número foi de 1.096.

Ainda de acordo com o relatório do Inpe, só no Pará, o desmatamento cresceu em 91%. Foram contabilizados 499 quilômetros quadrados de áreas desmatadas em junho, contra os 262 do mês anterior. O aumento, diz o instituto, se deve a uma melhor capacidade de observação em junho. Em segundo lugar vem o Mato Grosso, com 197 quilômetros quadrados de matas devastadas, índice que mostra queda de 70% em relação a maio (646 km²).

Além da análise do Inpe, a degradação também é monitorada mensalmente pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. A previsão do SAD é de que no apurado deste ano -entre 1° de agosto de 2007 e 31 de julho de 2008 - os números superem a estatística de 2006 a 2007. Isso por que, se computado até junho, já foram desmatados cerca de 4.754 quilômetros quadrados, ante a medição anterior de 4.370.

A diferença de resultados entre os dois sistemas ocorre pelo fato de o Deter considerar desmata-mento a soma do corte raso (locais onde a floresta é completamente derrubada), com o das áreas degradadas (mata em que a estrutura está comprometida) e o SAD contar apenas a perda total da cobertura vegetal.

Na trilha do desmatamento


Diante de tantos quilômetros quadrados devastados, vem a pergunta: quem são os responsáveis pelo desmatamento? Sem titubear, podemos responder que o futuro da Amazônia depende da ação de basicamente três atividades: exploração madeireira, agropecuária e agronegócio.

“Integrar para não entregar”, com esse lema, o regime militar incentivou a ocupação da Amazônia na década de 1960. A partir daí, o homem fincou raízes e arrancou inúmeras outras. Para ocupar o espaço vazio, trouxe junto o gado, que é responsável por cerca de 70% do fim das matas. O pasto já cansado do boi dá lugar à soja, que absorve da terra até o último nutriente. No fim, o que sobra? Vinte mil quilômetros quadrados de abandono. “A questão madeireira é um dos problemas seríssimos. É uma fonte de renda do Estado do Pará muito importante. É a segunda maior contribuição do PIB (Produto Interno Bruto). Cerca de 90% é com base no ilegal”, explica Daniel Cohenca, chefe regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em Santarém, no Pará.

Anderson Costa diz que, para restringir o desmatamento, é necessário cumprir o código florestal. “O Ibama está fazendo a parte dele, emitindo multas. O processo judicial, porém, envolve 20, 30 anos. Os proprietários começam a achar brecha na legislação e empurram essas multas que foram emitidas para serem engavetadas”, reclama.

À procura de um desenvolvimento sustentável

“O modelo de desenvolvimento da Amazônia ainda continua embasado na soja, pecuária, madeira e minérios. Tem que mudar esse modelo. Propor novas maneiras de exploração”, desabafa Daniel Cohenca. Segundo ele, um dos problemas é que as atividades sustentáveis são inéditas e por isso, não recebem muitos incentivos bancários. “Os bancos já conhecem as atividades como a pecuária e já sabem o lucro que ela dá e o que é preciso para implantá-la”.

Na opinião de Cohenca e de outros ambientalistas, estudiosos e defensores da Amazônia, é preciso elaborar um plano eficaz de prevenção e combate ao desmatamento. Uma das prioridades seria promover o ordenamento fundiário. A essa idéia juntam-se outras: dar incentivos fiscais para aumentar o rendimento de áreas já desmatadas, dificultar o acesso a crédito financeiro para os municípios que mais desmatam, penalizar as empresas que realizam comércio com produtores embargados pelo Ibama e cobrar das instituições financeiras a responsabilidade ambiental através do fomento às atividades produtivas sustentáveis. Não se pode negar, no entanto, que não houve avanços em busca de um desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Um exemplo disso foi a Lei das Florestas Públicas implantada na gestão da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A norma prevê a concessão de terras para a exploração sustentável de madeira, com o precedente de que a extração seja realizada com plano de manejo aprovado, promovendo o uso eficiente e racional da floresta.

No Estado do Amazonas, o governo criou o “bolsa floresta”, renda de R$ 50,00 mensais para as famílias que preservem a mata existente em seus terrenos. O objetivo é levar fundos para quem mora no interior da Amazônia, recompensando-os por prestar um serviço ambiental ao País.

Todo esforço vale a pena

“Antes, a gente trabalhava na roça, plantando mandioca, feijão. A gente nunca parou, mas agora a gente faz roçado pequeno. A gente achava que lá tava (sic) degradando muito a floresta, o meio ambiente. Tava (sic) derrubando floresta pra fazer roçado. Se a gente ficasse, fazendo roçado, num ia ter mais floresta pra cá”.

Alciney Feitosa deixou de lidar com a terra e agora trabalha com o látex na produção do couro ecológico. O homem deixou de cultivar a mandioca e agora produz bolsas e artefatos de couro e tecido de algodão revestido de látex. Os resultados são a preservação da floresta e produtos de maiores elasticidade e durabilidade. De seu exército, fazem parte mais 16 pessoas, além dos oito seringueiros que extraem o látex das árvores. “Nós extraímos o látex da seringueira, que não morre, só se a gente colocar fogo nela. E todo ano ela dá látex. É uma vaca leiteira bem boa. Nós não estamos degradando a floresta, estamos mantendo ela de pé”, ri-se.

O couro ecológico ou couro vegetal chegou à comunidade de Maguari, no Município de Santarém, há cerca de dez anos. Foi trazida por um turista argentino que se atraiu das belezas amazônicas e das várias seringueiras existentes no local. O hermano deixou para os discípulos, a técnica e um calote. Antes de sair do Brasil, onde estava ilegal, vendeu todo o couro produzido na comunidade, mas não pagou o salário dos trabalhadores.

Este é apenas um exemplo das iniciativas sustentáveis existentes no Pará. Em Maguari, comunidade ribeirinha no rio Tapajós, além do couro ecológico, atividades de ecoturismo e biojóias (adornos feitos de semente) produzindo renda para a população.

“A idéia é que a comunidade possa gerir seus próprios negócios. Quando a comunidade passa a ser dependente, a gente percebe que o projeto não é sustentável”, esclarece Valcléia Lima, técnica do Programa Economia na Floresta promovido pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA), organização não governamental com atuação em Santarém.

Viver na floresta e dela retirar o sustento com responsabilidade ambiental. Assim, o programa capacita os moradores para que eles participem de atividades de ecoturismo, artesanato e produção de alimentos. Um exemplo pioneiro é a produção de cestarias com palhas de tucumã na comunidade de Urucureá. Segundo Valcléia, atualmente 95% do trabalho é independente. “Faz mais de cinco anos que o PSA não recebe qualquer apoio financeiro para as ações que eles fazem”, orgulha-se.

Atualmente, várias comunidades de Santarém têm o ecoturismo como principal atividade. “Às vezes, com uma visita de quatro dias, a comunidade rende para a associação de 1.300 a 1.500 Reais, por mês, com trilha, passeio de canoa. Sem contar a comercialização de produtos artesanais”, conta a técnica do programa.

Modelos simples de sustentabilidade mostram que é possível conviver com a floresta sem degradá-la. De iniciativas grandes a pequenas, se governo, ONGs e sociedade unirem forças, será possível escrever um novo futuro para a Amazônia. Não é preciso estar na floresta para ajudar o meio ambiente. Atitudes simples como a coleta de seletiva de lixo ou plantar uma árvore, já significam uma atitude. Um final feliz para essa história, só depende de nós.

* Rafaella Parente é concludente do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Já realizou está-gios em assessoria de imprensa e produção, reportagem e edição em televisão. Desde 2007, é estagiária do O Povo Online, portal de notícias na internet do Grupo de Comunicação O Povo.

Reportagem publicada na revista Meio Ambiente e Mudanças Climáticas na Amazônia, que reúne matérias de participantes do Laboratório Ambiental de Jornalismo promovido pela Fundação Konrad Adenauer, realizado no mês de junho, em Santarém (PA). Para ler a revista, baixe o arquivo (PDF): http://www.kas.de/wf/doc/kas_15054-544-5-30.pdf. Conheça o trabalho da Fundação em Fortaleza (http://www.sustentavel.inf.br) e em Buenos Aires (http://www.medioslatinos.com).

(Envolverde/Fundação Konrad Adenauer)

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