Os 100 delegados presentes à maloca da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) em S. Gabriel da Cachoeira (AM) ratificaram os cinco novos diretores eleitos previamente em assembléias regionais e elegeram, na última sexta-feira 28, o presidente e vice para o período 2009-2012. Também discutiram entre outras questões a mineração em Terras Indígenas.
Abrahão de Oliveira França (Baré)e Maximiliano Correa Menezes (Tukano foram eleitos presidente vice da nova diretoria que vai assumir em janeiro o comando da maior organização indígena da Amazônia brasileira (veja o perfil dos cinco diretores no final do texto). O primeiro teve 23 votos e o segundo, 20. A Foirn congrega mais de 80 associações de base, organizadas em cinco sub-regiões que cobrem os municípios de S. Gabriel, Santa Isabel e Barcelos.
A VII Assembléia eletiva da Foirn entre os dias 26 e 28 de novembro tratou ainda da apresentação de um balanço da gestão 2005-2008 e da eleição para hierarquizar os cargos da nova diretoria, além de outros temas.
Mineração, estatuto, participação feminina
A situação do Projeto de Lei (PL) de Mineração em Terras Indígenas e do Estatuto dos Povos Indígenas foi debatida com base em uma atualização de informações feita pelo advogado do ISA, Raul Telles do Valle. Foram dados informes sobre o processo de registro do Sistema Agrícola do Rio Negro junto ao Iphan, com base num inventário participativo que está sendo realizado nas roças das comunidades indígenas em S. Isabel, por meio de uma parceria entre a ACIMRN, o ISA e um grupo de pesquisadores do Pacta (Projeto de Pesquisa sobre Agrobiodiversidade e Conhecimentos Associados na Amazônia). Os participantes da Assembléia aprovaram a continuidade da pesquisa que subsidiará o processo de registro.
No segundo dia, os membros da Assembléia os delegados fizeram recomendações para viabilizar um fundo institucional, a partir de contribuições voluntárias e outras doações dos afiliados, para garantir maior autonomia e sustentabilidade à FOIRN e coordenadorias regionais. Além de um sistema de adesão individual de pessoas que recebem regularmente ingressos monetários (professores, agentes de saúde e aposentados), sugeriu-se à diretoria da FOIRN cobrar taxas pelo uso da sua infra-estrutura (equipamentos, espaços de reunião e casas para diretores não residentes em S. Gabriel).
Foi aprovada a criação de uma nova regional no Médio-Baixo Rio Negro para melhor dividir recursos e atividades entre S. Isabel e Barcelos. Mas, para efeitos eleitorais e de representação no Conselho Diretor da Foirn, permanece a mesma quota de dez delegados, conforme prevê o Estatuto. Para a questão da presença de mulheres na direção da Foirn ficou aprovada a recomendação de que cada uma das regionais deverá incluir pelo menos duas mulheres na lista das pessoas elegíveis ao cargo de diretor, o que somente será colocado em prática em 2012.
Demarcações pendentes e estrada
A Assembléia tomou conhecimento dos tímidos progressos dos processos de identificação das terras indígenas pendentes de demarcação: a Marabitanas Cué-Cué, na margem esquerda do Alto Rio Negro aguarda há anos a conclusão do relatório do GT coordenado pela antropóloga da Fundação Nacional do Índio (Funai), Eliane Pequeno. Da mesma forma, as comunidades indígenas de S. Isabel e Barcelos aguardam pela conclusão dos trabalhos dos GTs de identificação iniciados em 2007. Razão pela qual os delegados presentes recomendaram que a diretoria da Foirn cobrasse providências do presidente da Funai, Márcio Meira, que trabalhou na região do Rio Negro como antropólogo pesquisador e na identificação e demarcação das Terras Indígenas do Médio Rio Negro, o que lhe permitiu ter pleno conhecimento dessas demandas.
Os membros da Assembléia votaram moção de apoio pela recuperação da estrada BR-307, que liga S. Gabriel a Cucuí, corta o Parque Nacional do Pico da Neblina e a TI Balaio e cujo tráfego, a partir do km 85, está interrompido desde 2003. O Exército já recebeu 21 milhões para a execução das obras que só poderão ser iniciadas depois de uma licença ambiental do ICMBio.
Relacionamento com militares
No último dia de reunião, a Assembléia tratou dos relacionamentos das comunidades e da própria Foirn com os militares e com a prefeitura de S. Gabriel da Cachoeira, município que terá, pela primeira vez, direção indígena a partir de janeiro de 2009, quando a assumirão Pedro Garcia (Tariano) e André Fernando (Baniwa).
Para introduzir a conversa com os militares, Domingos Barreto, atual presidente da Foirn, fez um histórico destacando desde o estabelecimento do forte de S. Gabriel pelos portugueses no século XVIII até a implantação do binômio FAB-Missões Salesianas durante boa parte do século XX e a implantação do Exército na região, a partir dos anos 1970. Domingos lembrou que os militares do Exército historicamente foram contra a demarcação de Terras Indígenas extensas e contínuas no Alto Rio Negro, como de resto em toda a chamada faixa de fronteira. As terras da região chegaram a ser demarcadas em ilhas durante o governo Sarney em meados dos anos 1980, mas os marcos foram derrubados pelas comunidades. (Saiba mais sobre a relação índios e militares.
Com a Constituição de 1988, a questão tomou outro rumo e, superadas questões doutrinárias e políticas, cinco Terras Indígenas extensas e contínuas foram finalmente reconhecidas, demarcadas e homologadas entre 1995 e 1998 (no governo FHC), na faixa de fronteira do Alto Rio Negro, perfazendo uma extensão de 10,6 milhões de hectares, com a presença de pelotões de fronteira do Exército. Desde então o número de pelotões implantados dentro da Terra Indígena Alto Rio Negro aumentou. Hoje são cinco (Pari-Cachoeira, Iauaretê, Querari, S. Joaquim e Tunuí), aos quais se somam ainda os de Cucuí (localizado na terra indígena Cué-cué/Marabitanas, em identificação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Maturacá (no extremo oeste da TI Yanomami).
Uma vez demarcadas as Terras Indígenas de forma extensa e contínua, na faixa de fronteira e com a presença de pelotões do Exército e pistas de pouso da Aeronáutica, a agenda da Foirn com os militares mudou e passou a se pautar pela reivindicação do estabelecimento de regras de convivência e instâncias de monitoramento, o que resultou em uma série de reuniões com o governo federal, entre as quais duas rodadas de conversas com o CMA (Comando Militar da Amazônia), denominadas “Diálogo de Manaus”, com a edição de duas portarias, uma específica para o Exército (Portaria nº 20, de 02/04/2002) com diretrizes para o relacionamento da força terrestre com povos indígenas e outra (Portaria nº 983, de 17/10/2003, do Ministério da Defesa, extensiva ao Exército, Marinha e Aeronáutica.
Alguns delegados à Assembléia relataram casos recentes de conflitos de relacionamento com militares ao major Mendonça - chefe da área de informações da II Brigada de Infantaria de Selva, sediada em S. Gabriel, que tem no comando o general Rosas. José Maria Lana, liderança tukano de Pari-Cachoeira, recomendou que os oficiais destacados para servir dentro das Terras Indígenas tivessem um período prévio de formação com palestras de antropólogos que conhecem a região e, com isso, possam agir de maneira mais acertada para coibir violências no relacionamento dos soldados com as comunidades indígenas.
Osmar Melgueiro, presidente da AIDC (Associação Indígena do Distrito de Cucuí)de Cucuí, delegado da Caiarnx (Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié), que serviu ao Exército por sete anos, indagou sobre as dificuldades decorrentes da não definição clara da área de domínio territorial do pelotão e apontou as dificuldades de inserção profissional enfrentadas pelos soldados recrutados localmente depois que dão baixa do serviço militar.
Conflitos
Nilvaldo Maia Castilho, desano, presidente da Coidi(Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê) e Adão Oliveira, tariano, ambos de Iauaretê, “cidade indígena” situada na linha de fronteira com a Colômbia, no Alto Rio Uuapés, relataram a presença crescente de pessoas estranhas vindas do lado colombiano, com o aumento do tráfico de drogas e rumores da presença de guerrilheiros das Farc, sem que haja providências por parte do Exército e da PF. Mencionaram também os impactos causados pelas obras em curso para a ampliação da pista de pouso.
Atílio de Pari-Cachoeira relatou agressões de pessoas da comunidade por soldados do pelotão no dia 10 de agosto deste ano, que resultaram em denúncias ao Ministério Público e a substituição do comandante local. Roberval Yanomami, membro da Ayrca, manifestou o profundo desagrado das comunidades de Maturacá e Ariabú com relação à instalação de acampamentos permanentes que o Exército está implantando ao longo da trilha que leva ao Pico da Neblina, na área de sobreposição da TI Yanomami com o Parque Nacional do Pico da Neblina. Roberval destacou que já tentaram paralisar as obras recorrendo às autoridades governamentais, porém sem êxito e que pensam usar “métodos tradicionais” para empatá-las. Para surpresa de todos os presentes, o major Mendonça revelou que a iniciativa não é do Exército e que só estão executando a obra por decisão de uma câmara de conciliação do governo federal, que inclui o Ministério da Defesa e o Ibama/ICMBio, do Ministério do Meio Ambiente, como uma forma de reparar danos históricos provocados ao longo da trilha pelas expedições do Exército ao pico. A obra tem custos elevados, incluindo 20 horas de vôo de helicóptero e estruturas de metal consideradas inapropriadas – apelidadas jocosamente de “chama-raios”. Sua conclusão deverá ocorrer até 12 de janeiro de 2009, sob pena de pagamento de multa pelo Exército de R$ 100 mil/dia. O representante da Ayrca (Associação dos Yanomami do Rio Caburis)relatou que está havendo uma ampliação da vila militar ao redor da pista de pouso e a comunidade yanomami não tem acesso à energia da micro-usina instalada nas proximidades.
Laureano Américo Coripaco, da comunidade de Coraci e presidente da Oicai (Organização Indígena Coripaco do Alto Içana), confirmou o caso de 12 jovens torturados por militares do pelotão de S. Joaquim em 2007, e mencionou casos de estupro de meninas de 11 anos e a derrubada por militares dos pés da palmeira caranã, cujas folhas são usadas tradicionalmente na cobertura das casas das comunidades. Finalmente seu Clarindo, de Barcelos, relatou que o quartel do Exército foi implantado em uma área cedida pela prefeitura, mas de uso tradicional, com roças de famílias das etnias baré e baniwa.
O major Mendonça procurou responder a todos os questionamentos. As denúncias de tortura de jovens no Alto Içana foi apurada por uma comissão de inquérito. Casos de estupro devem ser denunciados e apurados. Disse que o General Rosas, comandante da Brigada sediada em S. Gabriel, está disponível para receber e apurar todas as denúncias de arbitrariedades que sejam eventualmente cometidas pelos pelotões. Reafirmou a posição do general Heleno, do Comando Militar da Amazônia, contrário a demarcação de Terras Indígenas extensas e contínuas na faixa de fronteira. Ressaltou a importância de se instalar mais postos da Polícia Federal, a quem cabe coibir uma série de ilícitos na fronteira. Manifestou uma avaliação do projeto de multiplicação de pelotões de fronteira, anunciado recentemente pelo Ministro da Defesa, como algo que não atende às prioridades do Exército, que seria consolidar os já existentes. Ele ficou de averiguar posteriormente outras questões, tais como a área de domínio do pelotão de Cucuí, a derrubada dos caranãs e a questão das indenizações das roças e das casas das famílias indígenas deslocadas para a construção do quartel em Barcelos.
Prefeitura de São Gabriel
Quando se formou a mesa com os candidatos indígenas recém-eleitos para assumir a prefeitura de S. Gabriel da Cachoeira a partir de janeiro de 2009, Domingos Barreto destacou o fato histórico e a oportunidade de implementar as ações e o modelo de governança previstos no Plano Diretor aprovado em 2006, o qual inclui a descentralização administrativa em grande parte coincidente com as regionais da Foirn. Uma cópia do Plano Diretor foi entregue simbolicamente aos eleitos pelo presidente da Foirn que destacou o papel da Federação no controle social do processo.
Pedro Garcia informou que ainda não definiu o secretariado, nem a representação em Manaus. Anunciou que esteve recentemente na capital do estado com o presidente da Funai, Márcio Meira e combinaram firmar um termo de cooperação técnica para facilitar algumas ações e obras em Terras Indígenas. Instou a Foirn a denunciar a não-execução pela atual gestão municipal da construção de 42 salas de aula nas comunidades, cujos recursos foram liberados pelo MEC em 2007, atendendo a uma solicitação da própria Foirn em audiência pública.
Diretoria recém-eleita para gerir a Foirn
Abrahão de Oliveira França foi eleito diretor pela CAIBRN (Coordenadoria das Associações Indígenas do Baixo Rio Negro) em assembléia ocorrida em abril de 2008 na comunidade Campina do Rio Preto. Baré, 44 anos, nascido na comunidade Curicuriari no Médio Rio Negro, é pai de 4 filhos. Iniciou sua atuação na Foirn em 1995 como operador de radiofonia e logo em 1996 assumiu um cargo no setor financeiro devido à sua formação em contabilidade. No ano de 2000, deixou o quadro institucional da Foirn para ser o administrador do convênio Funasa-Foirn. Deu continuidade ao seu trabalho no movimento indígena como coordenador do projeto de fiscalização da Foirn até 2004, quando concorreu para a diretoria e ficou em segundo lugar. Mudou-se para Santa Isabel para atuar como auxiliar logístico junto à Secoya até fevereiro de 2006, quando retornou à sua comunidade enquanto coordenador da Escola Curica. Em março de 2007 assumiu a diretoria da Foirn pela Caibrn no lugar de Élio Fonseca, que deixou o cargo.
Maximiliano Correa Menezes, eleito diretor pela Coitua (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié e Baixo Uaupés) em assembléia ocorrida em junho de 2008 na comunidade Pari-Cachoeira. Tukano, 46 anos, nascido na comunidade Ananás no Rio Uaupés, é pai de 7 filhos. Cursou o magistério indígena na Escola Dom João Bosco de São Gabriel da Cachoeira e desde 1988 participou ativamente das mobilizações pela demarcação das Terras Indígenas do Alto Rio Negro, atuando na Acitrut (Associação das Comunidades Indígenas do Rio Uaupés e Tiquié). Foi membro da Copiar (Comissão dos Professores indígenas do Amazonas e Roraima) e começou a auxiliar nos trabalhos da Foirn em 1991. Foi eleito diretor pela primeira vez em 1992 e reeleito em 1996. Em 2001 foi contratado pelo Associação Saúde Sem Limites. Em 2004 atuou na secretaria de comunicação da Foirn e de 2005 a 2008 foi eleito presidente Conselho diretor da Foirn.
Luiz Brazão - eleito diretor pela Caiarnix (Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié) em assembléia ocorrida em junho de 2008 na comunidade Vila Nova do Rio Xié. Baré, 41 anos, nascido na comunidade Marabitanas no Alto Rio Negro, é pai de quatro filhas. Foi membro da Ociarn (Organização das Comunidades Indígenas do Alto Rio Negro) e trabalhou na implementação do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) na região tornando-se parte do quadro da instituição desde 2000 devido à sua formação como técnico em enfermagem pela Escola Dom João Bosco de São Gabriel da Cachoeira. Em junho de 2006 foi eleito vice-presidente do Conselho Distrital de Saúde.
Irineu Laureano Rodrigues foi eleito diretor pela CABC (Coordenadoria das Associações Baniwa e Coripaco) em assembléia ocorrida em maio de 2008 na comunidade Tunui Cachoeira, Rio Içana. Baniwa, 34 anos, nasceu na comunidade Tukumã-Rupita, Médio Rio Içana, é pai de sete filhos. Concluiu o Ensino Fundamental na Escola Jandú-Cachoeira e o magistério indígena no I Pólo do Içana em 2002. Além de ser professor, ajudou a pensar e construir a Escola Indígena Baniwa-Coripaco. Foi secretário e vice presidente da Oibi (Organizações Indígenas da Bacia do Içana), entre 2004 e 2005 foi coordenador da parceria da União Européia com a Foirn e de 2007 a 2008 foi do departamento de educação escolar indígena da Semec (Secretaria Municipal de Educação).
Erivaldo Almeida Cruz foi reeleito diretor pela Coidi (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê que abrange a região do Alto e Médio Rio Uaupés e o Rio Papuri) em assembléia ocorrida em maio de 2008 em Iauaretê, Rio Uaupés. Piratapuia, 31 anos, nasceu na comunidade Okapinima no Rio Papuri, hoje é conhecida como Holi iwuu , é pai de três filhos. Estudou magistério em Iauaretê na Escola São Miguel, curso que terminou em 1994 e em seguida, em 1995, ingressou no Exército servindo por três anos em Querari e quase quatro em Iauaretê. Em 2002 foi eleito membro do Conselho Distrital da Saúde de Iauaretê e em 2003 foi servidor da Funasa atuando como supervisor na área de Controle Social. Sempre participou das atividades do movimento indígena e em 2004 foi eleito pela primeira vez diretor da Foirn.
(Envolverde/ISA)
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