sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Comunidade científica finaliza hoje posicionamento sobre Código Florestal

Um relatório produzido pelas duas principais organizações científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), que está em etapa de finalização, apresenta posicionamento contrário ao substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) para mudanças do Código Florestal.

No relatório, as organizações defendem que as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal devem ser mantidas e recompostas, e que a própria atividade agropecuária depende da conservação dessas áreas.

Os pesquisadores defendem que é possível expandir a pecuária brasileira com o aumento da quantidade de cabeças de gado por hectare, e que existem cerca de 60 milhões de hectares de terras degradadas, que poderiam ser recuperadas e usadas para a produção de alimentos.

O relatório defende também a aplicação do Código Florestal em ambientes urbanos, já que a ocupação de várzeas e áreas de encosta tem sido uma das principais causas de desastres naturais.

Um Grupo de Trabalho se reúne hoje (18) para discutir o documento, que será aprovado posteriormente pelas diretorias da ABC e SBPC.

Veja abaixo os principais pontos da minuta:

Potencial de uso da Terra

O uso adequado das terras é o primeiro passo para a preservação e conservação dos recursos naturais e para a sustentabilidade da agricultura, que deveria ser planejada de acordo com a sua aptidão, capacidade de sustentação e produtividade econômica, de tal forma que o potencial de uso dos recursos naturais seja maximizado, ao mesmo tempo em que sua disponibilidade seja garantida para as gerações futuras.

O Brasil detém uma imensa extensão territorial para a produção agropecuária, com cerca de 5,5 milhões de km2 com uso potencial para os mais diversos tipos de cultivos e níveis de adoção de tecnologias agrícolas.  Entretanto, 76% do total dessas terras aptas apresentam alguma fragilidade decorrente de limitações nos solos, condição que requer planejamento criterioso na ocupação agrícola, com adoção de práticas de manejo conservacionista que também levem em consideração as emissões de gases de efeito estufa provenientes dessas atividades.

Nos últimos anos, a tendência da agropecuária brasileira tem sido de crescimento sistemático da produção, principalmente, em decorrência de ganhos constantes de produtividade.  Assim, de 1975 a 2010, a área usada para grãos aumentou em 45,6%, mas a produção cresceu 268%, ou seja, quase seis vezes mais do que a área plantada.  Embora ganhos de produtividade na pecuária também tenham sido registrados recentemente, a taxa de lotação das pastagens na pecuária extensiva ainda é baixa, cerca de 1,1 cabeças/ha conforme o Censo Agropecuário (2006).  Um pequeno investimento tecnológico, especialmente nas áreas com taxas de lotação inferior a meia cabeça por hectare, pode ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas e evitando novos desmatamentos.

Diante dos diagnósticos realizados, fica evidente que há necessidade de medidas urgentes dos tomadores de decisão para se reverter o estágio atual de degradação ambiental provocada pela agropecuária brasileira.  Por exemplo, estima-se que o impacto da erosão no Brasil, ocasionado pelo uso agrícola das terras, é da ordem de R$ 9,3 bilhões anuais, valor que poderia ser revertido pelo uso de tecnologias conservacionistas e planejamento de uso da paisagem, gerando benefícios ambientais.  As APPs e RLs deveriam ser consideradas como parte fundamental no uso agrícola conservacionista da propriedade; entretanto, estima-se que há um passivo da ordem de 83 milhões de hectares de áreas de preservação ocupadas irregularmente de acordo com a legislação ambiental em vigor.

Estima-se que, em razão de seu uso inadequado, exista hoje no Brasil 61 milhões de hectares de terras degradadas, que poderiam ser recuperadas e usadas na produção de alimentos.  Conhecimentos e tecnologias estão disponíveis para sua recuperação.

Biodiversidade

O Brasil é um dos países com maior diversidade biológica no mundo, pois abriga pelo menos 25% das espécies do planeta, com altas taxas de endemismo para diferentes grupos taxonômicos.  Isso implica amplas oportunidades, em particular econômicas, mas também maior responsabilidade.  A legislação ambiental brasileira, que já obteve importantes avanços, precisa de revisões para refletir, ainda mais, a importância e o potencial econômico de seu patrimônio natural único.  Retrocessos neste momento terão graves e irreversíveis consequências ambientais, sociais e econômicas.


Áreas de Preservação Permanente (APPs)

Há consenso entre os pesquisadores que as áreas marginais a corpos d'água sejam várzeas ou florestas ripárias e os topos de morro, especialmente, os localizados acima de 1.200 metros de altitude, são áreas insubstituíveis em função da biodiversidade e do alto grau de especialização e endemismo da biota que abrigam, e dos serviços ecossistêmicos essenciais que desempenham, tais como a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas invasoras.

A eficiência dessas faixas de vegetação remanescente depende de uma série de fatores, dentre eles o tipo de serviço ecossistêmico considerado, a largura e o estado de conservação da vegetação preservada.  Do ponto de vista científico, a definição dessa largura precisa respeitar o serviço ecossistêmico mais exigente, incluindo-se nessa avaliação o papel dessas áreas ribeirinhas na conservação da biodiversidade.  Um ganho marginal para os proprietários das terras, na redução da vegetação nestas áreas, pode resultar num gigantesco ônus para a sociedade como um todo, especialmente, para a população urbana que mora naquela bacia ou região.


Reserva Legal (RL)

Na Amazônia, a redução das Rls diminuiria o patamar dessa cobertura florestal a níveis que comprometeriam a continuidade física da floresta, devido a alterações climáticas irreversíveis.  Portanto, a redução de Rls aumentará significativamente o risco de extinção de espécies, comprometendo sua efetividade como ecossistemas funcionais e seus serviços ecossistêmicos e ambientais.

A restauração das áreas de RL, viável graças ao avanço do conhecimento científico e tecnológico, deve ser feita, preferencialmente, com espécies nativas, pois o uso de espécies exóticas compromete sua função de conservação da biodiversidade e não assegura a restauração de suas funções ecológicas e dos serviços ecossistêmicos.

Serviços Ambientais e produção agropecuária

O entendimento sobre a importância da manutenção de áreas naturais como APPs e Rls na propriedade rural é fundamental, já que existe a concepção errônea de que a vegetação nativa representa áreas não produtivas, de custo adicional, sem nenhum retorno ao produtor.  No entanto, essas áreas são fundamentais para manter a produtividade em sistemas agropecuários, tendo em vista sua influência direta na produção e conservação da água, da biodiversidade, do solo, na manutenção de abrigo para agentes polinizadores, para dispersores e para inimigos naturais de pragas das próprias culturas da propriedade, entre outras.  Portanto, a manutenção de remanescentes de vegetação nativa nas propriedades e na paisagem transcende uma discussão puramente ambientalista e ecológica, vislumbrando-se, além do seu potencial econômico, a sustentabilidade da atividade agropecuária.

Ambientes urbanos

Em áreas urbanas, a ocupação de várzeas e planícies de inundação natural dos cursos d'água e áreas de encosta com acentuado declive tem sido uma das principais causas de desastres naturais, ocasionando mortalidade, morbidade em centenas a milhares de vítimas todos os anos e perdas econômicas em termos de infraestrutura e edificações.

Parâmetros para áreas urbanas no que concernem as APPs, ao longo e ao redor de corpos d'água e em áreas com declives acentuados, devem ser estabelecidos de forma específica para prevenir desastres naturais e preservar a vida humana.  O Código Florestal deveria, assim, estabelecer princípios e limites diferenciados para áreas urbanas sem ocupação consolidada, ao passo que os planos diretores de uso do solo municipais tratariam das áreas de risco com ocupação consolidada.

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