segunda-feira, 10 de março de 2008

Valor Econômico - Alta da soja põe em xeque pacto na Amazônia


Por César Felício e Bettina Barros

O aquecimento do mercado internacional de soja pode levar as grandes tradings do setor a rediscutir alguns tópicos da moratória que proíbe a compra de grãos de áreas da Amazônia. A guinada na demanda pela commodity, que tem provocado recordes sucessivos nos preços, já levanta questionamentos sobre algumas "amarras" do acordo.

A principal delas é a impossibilidade de desmatamento dentro do limite permitido por lei - no caso do bioma amazônico, 20% da área total da propriedade. Nos moldes de hoje, a moratória vai além da legislação ambiental brasileira, proibindo a compra de soja proveniente de qualquer área desmatada da região amazônica.

"É difícil para o setor manter o compromisso de não comprar soja de áreas novas, se estiverem dentro dos limites legais. A União Européia com certeza vai pressionar, mas o crescimento da demanda da China tende a diminuir o peso do prêmio pago pelos europeus", afirmou ao Valor Jacyr Bongiolo, presidente do Grupo André Maggi. O grupo é um dos maiores produtores de soja do mundo.

O grupo Maggi pré-financia a produção de cerca de 700 sojicultores - o equivalente a cerca de 70% de seus fornecedores -, que são obrigados a aceitar o monitoramento completo de seu manejo ambiental. Mesmo com terminais fluviais em Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM), o executivo diz que a empresa não compra produção do sul do Amazonas ou da região ribeirinha do Madeira.

A reclamação do setor, no entanto, ocorre desde o início das negociações para a moratória, anunciada em meados de 2006, mas tem subido de tom por uma razão simples: de dois anos para cá, a saca de 60 quilos da soja avançou de US$ 10 para US$ 23.

Segundo Bongiolo, o mercado em alta pode estimular tradings menores, não-signatárias do acordo, a entrarem no mercado amazônico. "É preciso ajuda financeira do governo para a preservação da floresta, ou empresas que estão fora do acordo podem dar liquidez à produção de soja em áreas novas."

Paulo Adário, do Greenpeace, um dos grandes propulsores da moratória no Brasil, diz ter ouvido declarações semelhantes. "Ouvi alguns produtores em Alta Floresta [norte do Mato Grosso] dizendo que tem chineses batendo na porta deles... como quem diz, se vocês encherem muito, vendo pra eles. Mas claro que estamos falando de uma minoria".

Segundo o ambientalista, uma flexibilização da moratória - que permitisse corte de 20% da área florestal da propriedade rural - poderia ser feita no futuro, mas não sem contrapartidas. "Antes, todas as propriedades teriam de ser cadastradas no Incra, comprovar a reserva legal, o que quase ninguém faz", diz ele. "Começamos com restrição total, porque uma vez que começam a cortar, ninguém segura, perdemos o controle".

Um dos desafios será criar um marco legal para a preservação da reserva legal. Segundo Adário, muitos produtores não regularizam suas propriedades, porque acreditam que a medida provisória que determina o percentual de 80% de preservação da floresta pode mudar. "Há uma margem de insegurança jurídica. Com a transformação da medida provisória em lei definitiva, a regularização deslancha", concorda Bongiolo.

Adário cita avanços propiciados pela moratória - o maior deles talvez tenha sido o de colocar à mesa traders e ambientalistas -, mas afirma que os desmatamentos ainda estão ocorrendo. Em diversos vôos rasantes realizados ao longo do ano passado sobre as propriedades de soja da região, os ambientalistas detectaram novas áreas abertas, ainda inutilizadas. "As áreas estão abertas e certamente eles não irão plantar tulipas ali."

Com o mercado de grãos em alta, essas áreas sugerem novo avanço na plantação para a próxima safra. Para a safra atual, de 2007/08, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já projeta elevação para 5,6 milhões de hectares (alta de 9,5%) no Mato Grosso apenas na produção de soja.

"É duro controlar a ponta da oferta quando a demanda é maior", admite o deputado federal Homero Pereira (PR/MT). "Só se planta muita soja, porque alguém está comendo muita soja". Ele pondera, no entanto, que ainda é grande a margem de expansão da cultura em áreas fora do bioma amazônico. Segundo Bongiolo, dos 22 milhões de hectares de pastagem no Mato Grosso, 70% estão degradados e poderiam ser transformados em produção de grãos.


ONG vê erros e acertos na ação oficial
De São Paulo

Ainda falta vontade política e coordenação no governo brasileiro para impedir o desmatamento da floresta amazônica. Um balanço dos quatro anos de ação do governo Lula na região, realizado pelo grupo ambientalista Greenpeace, mostra que somente 30% das ações estratégicas do chamado "Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal" foram cumpridas - o que ajuda a explicar a retomada do desmatamento no segundo semestre de 2007 para estimados 7 mil quilômetros quadrados.

Lançado em março de 2004, o plano envolve 13 ministérios sob coordenação da Casa Civil. Em tese, é uma política considerada boa. O problema, como mostra o documento intitulado "O leão acordou", é que muitas ações ainda não saíram do papel. Das 32 ações estratégicas, apenas 10 foram quase ou integralmente cumpridas. O pior desempenho esteve nas ações de fomento às atividades sustentáveis, "que deveriam consolidar um modelo de desenvolvimento não predatório, adaptado à realidade da região", diz o relatório.

Exemplo recente é o episódio em Tailândia, diz Marcelo Marquesini, engenheiro florestal da campanha Amazônia do Greenpeace e responsável pelo documento. "Eles mandam a polícia para impedir o desmatamento, mas não oferecem uma alternativa econômica à população", diz.

Em linhas gerais, o relatório aponta que falta transversalidade entre os órgãos, com ministérios agindo de forma independente e contraditórias em alguns casos. A falta de pessoal continua sendo o calcanhar-de-aquiles da política federal, seja para fiscalização ou para a implementação das ações públicas. A demarcação fundiária de propriedades rurais e terras indígenas tampouco avançou.

No balanço de erros e acertos, o relatório aponta como positiva a transparência maior de informações oficiais e a implementação das unidades de conservação criadas no "arco do desmatamento" para estancar a fronteira agrícola puxada pela soja. O Greenpeace, contudo, alerta: essas unidades foram criadas, mas ainda não implementadas. O que, portanto, não impede a ação de grileiros.

Combinando mais de 30 horas de vôo na região e imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Greenpeace notou mudanças no modus operandi das operações de desmatamento. Os holofotes sobre a floresta levaram a uma mudança de dinâmica: o corte das árvores foi pulverizado, passando de grandes áreas para pequenos lotes. Em 2007, foram identificados 28 mil polígonos de desmatamento com área de até 25 hectares, contra 233 acima de 300 hectares.

Outra prática: ao invés de arrancar de uma tacada dezenas de árvores (o chamado corte raso), tem aparecido o corte selecionado ou a queima parcial da floresta, de modo que o boi fica "escondido" entre as árvores que sobraram. (BB)

Crédito da imagem: Sergio Zacchi / Valor

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