sexta-feira, 7 de março de 2008

OESP - Cientistas vêem ligação entre seca e aquecimento


Por Cristina Amorim

Fenômeno que atingiu a Amazônia em 2005 teria sido intensificado

Um estudo realizado por cientistas brasileiros indica que o aquecimento global pode ter piorado a seca que atingiu a Amazônia Ocidental em outubro de 2005, uma das mais severas já registradas na região. Na época, rios caudalosos, como o Solimões, secaram a ponto de a navegação ser interrompida.

A pesquisa foi publicada na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B. É uma análise da influência do aquecimento anormal das águas superficiais do Atlântico Tropical Norte no fenômeno.

Os oceanos estão cerca de 0,6°C mais quentes devido à elevação da temperatura global. Estudos prévios indicam que o Atlântico Tropical Norte está 0,5°C mais quente do que há 50 anos. E, naquele ano, a média ali era de 1°C a mais.

Isso teria induzido a uma mudança na circulação atmosférica naquele setor do Atlântico e, por conseqüência, a uma alteração nos ventos sobre a Amazônia. O efeito máximo, afirmam os cientistas, aconteceu no sudoeste e no oeste da Amazônia em agosto, setembro e parte de outubro - mês que normalmente já traz as chuvas do “inverno amazônico”.

A Amazônia sofre ciclos sazonais de seca e chuva. Contudo, uma seca daquela proporção é rara, especialmente na região ocidental.

“Está mostrado que a gênese da seca foram as águas quentes do Atlântico Tropical Norte. O aquecimento global já esquentou os oceanos e parte da razão de o Atlântico ter estado mais quente vem do aquecimento global”, diz o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores do estudo (que foi liderado por seu colega José Marengo). “Pode-se concluir que, não a existência da seca, mas sua intensidade, pode ter dependido de quão quente esteve o oceano - e isso, em parte, se deve ao aquecimento global.”

Exatamente pelo fato de ser um fenômeno raro, o climatologista afirma que existem poucos dados sobre ele. Nobre é, portanto, cuidadoso em sua avaliação e afirma que ainda não é possível explicar, por exemplo, todo o mecanismo que provoca a seca na Amazônia Ocidental, tampouco a chuva intensa (“dilúvio”, como chamou) que se seguiu.

“A dinâmica do sistema climático é extremamente complexa e precisamos demonstrar exatamente o que aqueles 0,5°C mais quentes, devido ao aquecimento global, influenciaram naquela seca”, afirma. “Isso é mais difícil, mas as nossas pesquisas continuam.”

O mesmo aquecimento anormal do Atlântico Norte parece ser fornecido mais energia ao furacão Katrina, que devastou a cidade de Nova Orleans no mesmo ano.


Em 2005, povoado ficou 'ilhado' pela falta de água
Por Lourival Sant’Anna

Do helicóptero, a paisagem que víamos lá embaixo desmentia o nosso mapa. Em vez do Lago Grande do Manacapuru, pintado de azul no detalhado mapa, havia uma enorme cratera verde e branca, em que a savana crescia sobre a areia. O contraste era tão absurdo que tivemos de checar as coordenadas. Não havia dúvida: estávamos sobrevoando Dominguinho, uma das 11 comunidades isoladas ao longo do Rio Manacapuru, no auge da seca do Amazonas, em outubro de 2005. Praticamente todos os 143 moradores foram assistir ao nosso pouso no campo de futebol.

O diesel que movia a bomba d’água que puxava a água limpa do poço artesiano estava acabando, assim como os mantimentos e o remédios para a malária. Os moradores, com suas canoas encalhadas na areia que engolira um grande naco do Rio Manacapuru, viviam contradição amazônica: estavam ilhados pela falta de água.

Crédito da imagem: Eduardo Nicolau A/E

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