sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Apesar dos avanços, combate ao desmatamento ainda enfrenta entraves

Mariana Della Barba

Quando o governo anuncia que a taxa de desmatamento na Amazônia foi a menor desde 1988, até os mais céticos comemoram. Mas a celebração arrefece assim que se observam os dados mais de perto: em um ano, uma área maior que quatro cidades de São Paulo foi ao chão.

As ações do governo nos últimos três anos vêm surtindo efeito na queda da taxa do desmatamento na Amazônia, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, embora alguns apontem outros fatores para a diminuição.

“Antes, em anos eleitorais, havia muito desmatamento, porque se afrouxavam as leis e a vigilância em relação aos pecuaristas e à atividade madeireira”, afirma a engenheira florestal Sanae Hayashi, que é pesquisadora do Imazon, ONG que monitora o desmatamento na Amazônia.

Outras iniciativas pontuais, segundo a pesquisadora, também contribuíram para a redução, caso do combate à carne ilegal pelo Ministério Público do Pará e da recusa em repassar verbas públicas para municípios desmatadores.

A professora de gestão ambiental da USP e autora do livro Políticas Territoriais na Amazônia, Neli Aparecida de Mello, também ressalta a “agenda positiva” que o Ministério do Meio Ambiente vem estabelecendo.

Falso positivo

Mas Mello logo chama atenção para dados que passam uma falsa impressão de que houve queda no desflorestamento. É o caso de áreas onde não havia mais árvores para se derrubar, apenas reservas ambientais ou indígenas.

A professora também cita o crescimento do desmate localizado, especialmente no Amazonas.

Há ainda causas consideradas momentâneas para a queda do desmatamento, ou seja, que não têm nenhuma relação com as práticas de combate do governo.

Uma delas é o mercado das commodities. “O preço da soja caiu ou se estabilizou de 2006 para cá, reduzindo o interesse no uso dessas áreas de desmatamento, como vinha ocorrendo desde 2003”, afirma Mello. “Não duvido que, se o preço da soja voltar a crescer, esse cenário seja revertido.”

O mesmo raciocínio vale para o gado, cujo impacto é ainda maior, já que a pecuária é responsável por 80% do desmatamento na região.

Tendência?

Esses dados “falsos positivos” contribuem para que alguns ambientalistas rejeitem o discurso de que há uma tendência de queda no desmatamento da Amazônia.

“O que há é uma conjuntura de redução do ritmo (do desmate)”, afirma o diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi.

“Mas para haver uma tendência é preciso verificar mudanças estruturais em práticas agropecuárias e fundiárias, o que não vemos hoje. Há apenas ações pontuais”, afirma Smeraldi, acrescentando outros fatores, como o vazamento do desmate para o Cerrado.

Ele afirma que só passará a acreditar numa tendência de queda quando forem pagas ao menos 10% das multas aplicadas aos desmatadores – esse índice é de apenas 0,5% hoje.

Alternativas

Além de combater a impunidade, há outras medidas que, segundo os especialistas, precisam ser tomadas para que haja uma redução real do desmatamento na Amazônia.

Uma delas é investir na fiscalização. “O crescimento do número de Unidades de Conservação (UC) é louvável. Mas é preciso que se ampliem o número de fiscais”, afirma Mello, citando a Flona de Humaitá, onde só havia um responsável em uma área do tamanho do Distrito Federal.

Para o biólogo Philip Fearnside, que há 32 dois anos é pesquisador na Coordenação de Pesquisas em Ecologia do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é preciso também reavaliar a construção das estradas, que levam ao desmatamento.

“A ideia de que se pode fazer estradas cortando a Amazônia e deixar o ônus para os órgãos ambientais para conter a destruição é uma fórmula para perder o restante da Amazônia”, afirmou Fearnside. “As estradas construídas hoje serão os condutores do desmate durante décadas no futuro.”

Para ele, a salvação da Amazônia passa pelo incentivo à inclusão do desmatamento evitado como uma medida para se conceder créditos de carbono – para compensar as emissões de outras fontes.

Potencial

O coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental da USP, Ricardo Abramovay, também defende uma mudança na maneira de como se vê a floresta e seu potencial.

“Ainda se ganha muito dinheiro derrubando a floresta”, diz. “Como não paga pelos prejuízos do desmatamento, a pecuária é barateada. Esse custo não se revela hoje no preço da carne – são as futuras gerações que vão pagá-lo.”

Segundo ele, criou-se uma coalizão de interesses na região – com pecuaristas e agências públicas como o BNDES - que acha que o Brasil tem vocação para alimentar o mundo com o gado. “Hoje, não é aceitável que a pecuária, com seu grau de maturidade, ainda precise desmatar.”

Mas Abramovay, que é professor na faculdade de Economia da USP, afirma que a opção de ser apenas exportador de carne, e não de biodiversidade, bloqueia a exploração de coisas mais promissoras, inclusive financeiramente.

Além do lucro com o mecanismo do Redd, ele cita outras possibilidades. “O BNDES teria de investir em bioenergia de produtos florestais, como fármacos e cosméticos, além da energia limpa.”

Para isso, tanto Abramovay como os outros especialistas concordam que é necessário mudar a visão ainda predominante de que a Amazônia é um local cujo sentido estratégico para o país é a produção de energia e commodities.

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