domingo, 12 de dezembro de 2010

Países criam fundo bilionário do clima

Nações em desenvolvimento receberão até US$ 100 bi ao ano em 2020, diz texto final da cúpula de Cancún Metas para reduzir as emissões, porém, ainda são modestas, e nada se decidiu sobre prorrogar o Protocolo de Kyoto

CLAUDIO ANGELO
MARCELO LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A CANCÚN

A conferência do clima de Cancún terminou às 3h30 da madrugada de ontem com bate-boca diplomático, aplausos e um fundo bilionário, os Acordos de Cancún, que resolvem as pendências deixadas há um ano pela reunião de Copenhague.Porém, a proteção efetiva da atmosfera, com um acordo internacional com peso de lei, ficou para o futuro.

O mundo pós-Cancún continua no rumo de chegar a 2020 emitindo até 9 bilhões de toneladas de CO2 a mais do que poderia, o que anularia as chances de manter o aquecimento global abaixo do nível seguro de 2ºC.

FUNDO E FLORESTA

Entre as principais decisões tomadas em Cancún está a criação do Fundo Verde do Clima, que financiará ações de adaptação e combate à mudança climática nos países em desenvolvimento.

O fundo se beneficiará de duas promessas feitas em Copenhague: US$ 28 bilhões a curto prazo (parte do dinheiro já está sendo oferecido, e os repasses seguem até 2012) e um valor maior a longo prazo, que deve chegar a US$ 100 bilhões por ano em 2020.

Também foi finalmente acordado um mecanismo para compensar os países tropicais pela redução do desmatamento, o Redd+.

Como o desmatamento responde por cerca de 15% das emissões globais, o Redd+ deverá ser uma medida de mitigação do efeito estufa barata e eficaz.

A única delegação que tentou barrar o Redd+ em Cancún foi a da Bolívia -o país de Evo Morales acredita que o mercado global de carbono estimula o capitalismo. O país bloqueou a reunião.

A presidente da COP-16, a chanceler mexicana Patrícia Espinosa, resolveu a questão declarando o consenso por atingido. A Bolívia chamou a manobra de "atentado às regras da convenção".

"A regra de consenso não significa unanimidade, nem que uma delegação possa impor se impor sobre a vontade das outras", disse Espinosa. Foi aplaudida.

Espinosa não foi a única a ganhar palmas. Todd Stern, negociador dos EUA, também foi aplaudido. "Vamos fechar este acordo e colocar o mundo na direção de um futuro sustentável e de baixo carbono", disse.

A venezuelana Claudia Salerno, cuja obstrução no ano passado levou Copenhague a pique, também mudou de atitude e apoiou o acordo -contra a aliada Bolívia.

"Meu país está inundado e eu agora posso voltar para casa dizendo que tenho alguma coisa", afirmou.

KYOTO PARA DEPOIS

Muitas decisões importantes, porém, foram simplesmente postergadas.

A principal diz respeito à sequência do Protocolo de Kyoto, devido à resistência de Japão, Rússia e Canadá. O acordo fala apenas em evitar um hiato na proteção ao clima após 2012, quando Kyoto expira, mas nenhum país fica obrigado a nada.

Houve, portanto, alguma insatisfação com o texto final. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que daria nota 7,5 aos Acordos de Cancún.

Menos vulnerável, Brasil não deve receber dinheiro "verde"


ANÁLISE MAIS DO QUE CRIAR FUNDOS, PAÍSES RICOS DEVERIAM DISCUTIR METAS CONCRETAS DE REDUÇÃO DE EMISSÕES

DOS ENVIADOS A CANCÚN

Um ano se passou desde o fiasco de Copenhague, e mesmo o resultado modesto da COP-15 enfrentou dificuldade para ser sacramentado nesta COP-16, em Cancún.

Nos salões do resort Moon Palace, apelidado "Mundo da Lua", não se discutiram de modo concreto novas metas de redução de gases do efeito estufa, necessárias para manter o aquecimento abaixo dos 2C seguros.

A conferência andou de lado, por assim dizer, com pequenos avanços localizados, como algum detalhamento do acordo sobre redução de desmatamento (Redd+) e de fundos para medidas de mitigação, como redução de desmatamento, e adaptação.

Os países ricos se comprometeram a desembolsar, até 2012, um valor "aproximado" de US$ 30 bilhões. É o chamado "fast start", dinheiro para países menos desenvolvidos começarem a se preparar para a a mudança do clima e impactos já em curso, como erosão da costa e salinização dos lençóis freáticos.

Além disso, as nações desenvolvidas prometem aumentar doações privadas e governamentais, até 2020, para a casa dos US$ 100 bilhões anuais.

O Fundo Verde criado em Cancún, que receberá parte "significativa"desses fundos, começa sob administração provisória do Banco Mundial, mas supervisionado por um conselho em que países pobres terão no mínimo representação paritária.

É pouco provável que o Fundo Verde beneficie diretamente o Brasil. A prioridade fica com os países mais atrasados e vulneráveis, como os da África.

Além disso, o país já criou o Fundo Amazônia, na área de florestas, com a doação de mais de US$ 100 milhões da Noruega, em 2009, primeira parcela do valor de US$ 1 bilhão prometido pelo país nórdico. Por fim, em Copenhague, o presidente Lula já havia oferecido a possibilidade de o Brasil entrar como doador no fundo.

Para que avanços mais reais acontençam, é necessário resolver um mal que se agrava a cada COP: os EUA não estão preparados para assumir compromissos de redução de emissões proporcionais a seu peso como poluidor, hoje e no passado.

Os países que subscreveram o Protocolo de Kyoto já estão fazendo seus cortes, como a União Europeia e o Japão. Até países em desenvolvimento que são grandes emissores -Brasil, China e Índia- estão fazendo cortes.

A cada ano que passa, o passivo dos EUA aumenta. Se não for resgatado, o sistema climático quebra. É quase certo que essa dívida sofrerá algum desconto, por impagável na totalidade.

Nenhum comentário: