quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Na última década, um indígena morreu a cada 12 dias no Vale do Javari

Segundo denúncia do Centro de Trabalho Indigenista, descaso com saúde resultou na morte de 8% da população indígena do Vale do Javari nos últimos 11 anos; situação mais critica é dos Kanamary, que perderam 16% da sua população total

Aldrey Riechel

O Centro de Trabalho Indigenista (CTI) divulgou ontem (21) mais um relatório que tenta sensibilizar as autoridades e a população para as mortes que ocorrem na Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas, causadas pelo descaso do poder público. Nos últimos 11 anos - de 2000 a 2010 - foram registrados pelo menos 325 óbitos, o equivalente a 8% da população total da terra indígena, por problemas de saúde e suicídio. A média é de uma morte a cada 12 dias.

A situação afeta principalmente crianças e jovens, principalmente pela ocorrência de epidemias de hepatite B e D. Os casos mais graves são dos índios Kanamary, do rio Itacoaí, que possuem altas taxas de mortalidade infantil, filária e suicídios, e dos Mayoruna, com altas taxas de portadores crônicos de hepatite B.

Praticamente a metade de todos esses 325 óbitos (46%) foi de crianças com menos de 1 ano de idade. 152 bebês morreram nesse período, seguido pelo óbito de 58 crianças de 1 a 10 anos (18 % do total) e de 41 jovens com 11 a 25 anos (13 % do total). 70% das mortes causadas por hepatite são de jovens de menos de 25 anos de idade. Além disso, em 2008 houve duas mortes de criança causada por meningite.

Cerca de 40% das mortes registradas nesse período foram de pessoas do povo Kanamary. Proporcionalmente ao seu tamanho populacional, os Kanamary do Vale do Javari perderam 16% da sua população total. Junto com os Korubo, um grupo de contato recente que perdeu 15 % da sua população no período, são os povos mais afetados pela situação de saúde na região.

Problema antigo

Um relatório do Ministério Público Federal (MPF) de outubro de 2008 mostra que o governo já tinha conhecimento do problema há muito tempo. "Há pelo menos quinze anos, técnicos do Ministério da Saúde comprovaram a alta prevalência de hepatites virais na população indígena do Vale do Javari, observando-se antes mesmo disso a ocorrência de óbitos atribuídos a esta causa naquela área".

Ainda segundo o relatório, "os povos indígenas do Vale do Javari foram inicialmente infectados por hepatites virais, ao que se saibam, durante a década de 1970, alguns apenas três anos após o contato interétnico com a sociedade nacional". Mesmo assim nenhuma providência foi tomada para evitar a cadeia de contágio na região.

Foram realizadas diversas reuniões para tentar conter o avanço das mortes na terra indígena, mas segundo o relatório, "as ações de saúde no Vale do Javari sempre estiveram ligadas a um forte esquema de corrupção". O documento realiza um levantamento de todas as reuniões, articulações de movimentos sociais e governo e denúncias que já houveram para tentar chamar a atenção para o problema do Javari.

"Apesar de possuir taxas de mortalidade infantil similar aos paises mais pobres da África, o Vale do Javari, diferentemente da África, possui muitos recursos financeiros para cuidar da saúde de sua população, mas esses recursos não estão sendo utilizados onde deveriam", explica o CTI.

A conclusão do estudo é o alto índice de morte dos povos indígenas do Vale do Javari é resultado de descaso do governo brasileiro. "A grave situação de saúde no Vale do Javari não é decorrente da ausência de recursos, é decorrente da ausência de uma equipe de gestores de saúde competentes para lidar com uma área de oito milhões de hectares, com extrema dificuldade de logística e da pressão e interveniência dos interesses políticos locais e regionais".

Vale do Javari

Localizada no sudoeste da Amazônia brasileira, no estado do Amazonas, na fronteira com o Peru, a TI Vale do Javari faz parte de um corredor contínuo de mais de 24 milhões de hectares de áreas protegidas.

A Terra Indígena possui 8,5 milhões de hectares, e é a segunda maior terra indígena do Brasil. Homologada em 2001, vivem nela cerca de 4 mil indígenas dos povos Marubo, Mayoruna, Matis, Kulina e Korubo, da família lingüística Pano; e os Kanamary, da família Katukina. Além dessa população de índios contatados, existem pelo menos 27 registros de grupos indígenas isolados, sendo junto com o Acre a maior concentração de índios isolados do mundo.

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