Para negociador veterano de Malta, "os países estão se posicionando para não serem culpados pelo fracasso'
Relutância do Japão em concordar com uma 2ª fase do Protocolo de Kyoto é um dos maiores entraves da cúpula
CLAUDIO ANGELO MARCELO LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A CANCÚN
A falta de coragem dos negociadores é o principal obstáculo ao sucesso na conferência do clima de Cancún.
Quem diz é o negociador maltês Michael Zammit Cutajar, que sabe uma coisa ou outra sobre a Convenção do Clima da ONU: além de ter sido um dos pais da própria convenção e do Protocolo de Kyoto, o diplomata foi também o primeiro secretário-executivo do órgão.
"Os países estão se posicionando para não serem culpados pelo fracasso, o que é uma posição muito pouco ambiciosa", disse Cutajar à Folha. Algo como: eu não quero que nada avance necessariamente, mas não quero que ninguém me aponte o dedo pelo fracasso. "Há muita falta de coragem aqui."
Ele conta que, na semana passada, quando o Japão declarou que não se associaria a uma segunda fase de Kyoto, o que ainda pode pôr a perder a conferência de Cancún, o sentimento de muitos países foi de alívio. "Houve um "ah, agora eles vão ser os malvados, não nós"."
A chanceler mexicana, Patricia Espinosa, presidente da COP-16, aproveitou esse sentimento para tentar tirar da sala todos os bodes que ameaçam a negociação.
Os ministros do Meio Ambiente do Brasil e do Reino Unido, Izabella Teixeira e Chris Huhne, foram encarregados por ela de tentarem remover o maior deles: a continuidade de Kyoto.
A lógica japonesa é a de não aceitar prolongar o protocolo porque isso significaria aderir de imediato a um instrumento com obrigações jurídicas. Enquanto isso, os principais concorrentes do Japão, a China e os EUA, seguiriam sem nenhum compromisso legal pelos próximos anos -tempo que levará para dar forma jurídica ao chamado LCA, que inclui os EUA e os emergentes.
NA PELE
Durante a reunião com o Japão, Huhne -que foi jornalista por duas décadas- avisou aos negociadores japoneses que não queria estar na pele deles na sexta-feira para explicar ao público o fracasso de Cancún.
Oficialmente, o país continua inflexível, mas nos bastidores espera-se que até amanhã ele sinalize pela continuidade de Kyoto.
Curiosamente, ontem foi o ministro britânico Huhne quem sofreu um ataque de falta de coragem: ameaçou abandonar Cancún para resolver problemas domésticos em Londres. Voltou atrás.
Outro bode na sala foi colocado pela Bolívia em relação a florestas, na recusa em incluir mecanismos de mercado como possibilidades para financiar a redução do desmatamento.
Durante as conversas diplomáticas, foi incluída no texto outra opção, que priorizava mecanismos de mercado. "Está na cara que o caminho do meio [que inclui mercado e doações] será adotado, como deveria ter sido desde o início", diz um delegado sul-americano.
Se forem removidos todos os bodes, a conferência de Cancún deverá terminar onde deveria ter terminado a de Copenhague, no ano passado: com as metas nacionais de redução de emissões inscritas no Acordo de Copenhague "ancoradas" em um texto oficial e várias pequenas decisões prontas para serem implementadas.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, resumiu o espírito das negociações: "Isto não é uma corrida de velocidade, mas uma maratona."
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