sábado, 11 de dezembro de 2010

Conferência do clima derrapa no final

No último dia da COP-16, delegados reunidos em Cancún, México, tinham obtido poucos pontos de consenso

Países acharam modo de acomodar nova fase do Protocolo de Kyoto, mas negociação ainda deve prosseguir hoje

CLAUDIO ANGELO
MARCELO LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A CANCÚN

A conferência do clima de Cancún entrou em seu momento decisivo ontem com um alerta da comissária europeia do clima, Connie Hedegaard, sobre o risco de um colapso nas negociações daqui para a frente.

"Se não houver vontade de aceitar um compromisso, estaremos mais para Doha do que para Durban", disse a dinamarquesa, referindo-se ao impasse nas conversações sobre comércio internacional, a Rodada Doha.

Durban é o balneário sul-africano que sediará, em 2011, a COP-17, a próxima conferência da Convenção do Clima da ONU. Muitos países, em especial as ilhas do Pacífico, ameaçadas em sua sobrevivência pela elevação do nível do mar, defendem que seja firmado ali um acordo internacional contra o aquecimento global, que tenha validade de lei.

Para que isso ocorra, porém, um pacote ambicioso de decisões precisava ser aprovado em Cancún. Até o fechamento desta edição, a possibilidade de isso ocorrer e o teor das principais decisões estavam em aberto.

E, mesmo que obtenha algum sucesso, a reunião de Cancún estará longe de produzir qualquer acordo que tenha alguma relevância para atacar a crise do clima.

Por outro lado, reconheceu-se aqui que, mesmo que sejam cumpridas todas as metas de redução de CO2, o mundo estará em 2020 com um excesso de 5 bilhões a 9 bilhões de toneladas do gás -longe da meta de manter o aquecimento em no máximo 2ºC até o fim do século.

MADRUGADA

Os negociadores ficaram até alta madrugada ontem tentando resolver questões como a continuidade do Protocolo de Kyoto, um acordo sobre redução de emissões por desmatamento (Redd+) e a criação de um Fundo do Clima para financiar ações de corte de emissões e adaptação nos países pobres.

Na manhã de ontem, quase tudo seguia sem consenso, pendente de uma decisão política dos ministros que vieram para o final da conversa.

Duas altas autoridades de países em desenvolvimento, ouvidas pela Folha, afirmaram que um dos principais entraves na madrugada foi a Bolívia. O país insistia em bloquear as discussões sobre o Redd+, em grande parte por motivos ideológicos do governo de Evo Morales. Os bolivianos, anticapitalistas, não admitem a menção a mecanismos de mercado no acordo sobre florestas.

A Aosis (Aliança dos Pequenos Estados Insulares) também marcou posição forte nas negociações. As ilhas exigem que seja formalmente reconhecido que a reunião de Durban é a data-limite para a assinatura do chamado instrumento legalmente vinculante (ou seja, o novo tratado do clima).

Muitas delegações, a do Brasil inclusive, acham que tal data é impraticável, já que as metas de redução propostas até agora são fracas -e não deveriam ser "cristalizadas" em tratado.

PONTE

Um dos principais entraves ao progresso em Cancún, porém, parece ter saído do caminho. O subterfúgio, construído com ajuda de Brasil e Reino Unido, conseguiu driblar a resistência japonesa a aderir a uma segunda fase do Protocolo de Kyoto.

A solução encontrada foi inscrever as metas voluntárias que os países (o Japão inclusive) apresentaram no Acordo de Copenhague no documento sobre países sem obrigações em Kyoto (como os EUA e os países emergentes), conhecido como LCA.

Os textos de Kyoto e do LCA "tomam nota" dos compromissos, mas não obrigam ninguém a fazer coisa alguma. Isso sinaliza que Kyoto pode continuar existindo, mas que o segundo período só será definido no futuro.

"Parece uma solução razoável", disse o americano Elliot Diringer, analista do Centro Pew para Mudança Climática Global. "Você não se compromete com um segundo período, mas não descarta essa possibilidade."

Um texto que resume a conclusão das negociações deveria ser apresentado à tarde em Cancún (noite em Brasília) pela presidente da COP-16, a chanceler mexicana Patrícia Espinosa.

"Creio que há muita confusão e preocupação em muitas delegações", disse o negociador boliviano Pablo Solón. Segundo ele, isso deveria se refletir no texto.

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