Por Mauro Zanatta
A medida provisória da regularização fundiária na Amazônia, aprovada na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados, enfrentará dura resistência de ambientalistas no Senado. Sob a liderança da ex-ministra Marina Silva (PT-AC), a reação contra o texto da MP nº 458 tentará derrubar alterações feitas pelo deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) no texto original da proposta do Executivo. A medida deve regularizar a situação jurídica de 400 mil posses em 436 municípios da Amazônia.
Mesmo contra a orientação do Palácio do Planalto, que comemorou a aprovação na Câmara, ambientalistas ligados ao governo decidiram combater quatro pontos: a permissão da regularização da posse para empresas, a indenização de benfeitorias, a titulação para áreas exploradas por terceiros e a autorização para a venda dessas terras após três anos da emissão dos títulos definitivos. "Tivemos um claro retrocesso na Câmara e precisamos separar o joio do trigo, sem a política do fato consumado ou de terra arrasada", diz Marina, que afirma ter o apoio do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) em sua cruzada contra as regras da MP.
A primeira batalha no Senado, prevista para ocorrer já na próxima semana, será pela relatoria da medida. Na disputa, estão a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), uma das principais líderes ruralistas do Congresso, e o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), líder da Maioria na Casa. Relator da MP na Câmara, o deputado Asdrúbal Bentes afirma que não alterou nenhuma das condicionantes ambientais previstas na MP. "Quem desmatar além da reserva legal, terá que assinar o termo de compromisso para recomposição. E se não fizer isso em 30 anos, perderá a terra para a União", diz. Bentes admite, porém, ter aumentado, de dez para 30 anos, o prazo para recuperação de áreas desmatadas.
A queda de braço entre governo e oposição também deve acirrar os ânimos. No Senado, a margem de manobra da base política governista é bem menor do que na Câmara. Autor da proposta original da MP, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, defende o texto aprovado na Câmara. "Não temos nenhum problema grave para resolver na MP. Para uma matéria delicada, ficou melhor do que esperávamos", diz. "Acho que está muito próximo da MP original e preservou o espírito da prioridade aos pequenos e de inibição da grilagem. Temos que separar regularização fundiária da reforma do Código Florestal", afirma o ministro.
A senadora Marina Silva insiste, entretanto, que permaneceram no texto aprovado pela Câmara alguns "vícios de origem" que precisariam ser alterados no Senado. "Essa MP, do jeito que está, vai favorecer 80% dos pequenos posseiros da Amazônia. Mas eles têm apenas 11,5% das terras lá", argumenta a ex-ministra. "Os outros 20% de grandes posseiros vão ficar com 88,5% das terras". Segundo a senadora, a MP deve restringir os benefícios da regularização a áreas com até 4 módulos fiscais, ou cerca de 400 hectares. "Nas demais posses, o governo deveria fazer uma análise para verificar a função social da terra". Marina Silva diz que as cláusulas para evitar abusos na regularização caíram com a dispensa de vistoria pelo Incra. "Por isso, precisamos de um relator que possa dialogar com todos os lados", apela.
A senadora afirma que a MP ajudará a consolidar uma situação de grilagem de terras na Amazônia. "O governo só poderia fazer isso mediante cumprimento social da terra. Mas qual é a função social de aumentar o patrimônio de grandes produtores?", questiona. Os artigos que beneficiam empresas donas de terras e permitem a regularização de áreas exploradas por terceiros serão questionadas no Senado. "Mesmo tendo outro imóvel, um grande posseiro poderá ter a posse regularizada com direito de preferência em licitação. Além disso, o governo permitiu a venda da terra após três anos. Com isso, esses posseiros se capitalizam e vão grilar novamente".
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