sexta-feira, 15 de maio de 2009

Envolverde - Zoneamento e Reserva Legal: ruralistas e movimentos divergem


Por Thaís Brianezi, da Repórter Brasil

Em Vila Rica (MT), pecuaristas e prefeitura querem que zoneamento enquadre região como área de ocupação consolidada, para que a Reserva Legal seja reduzida de 80% para 50%. Movimentos defendem respeito a regras.

Começa nesta quinta-feira (14) o seminário técnico de dois dias que precede a audiência pública em Vila Rica (MT), na região nordeste do estado, sobre o Zoneamento Sócio-Econômico e Ecológico (ZSEE) do Mato Grosso.

O principal ponto em disputa no próximo sábado (16) será a possibilidade de diminuição da chamada Reserva Legal de 80% para 50% da área da propriedade. De um lado, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso (Famato) e a Prefeitura de Vila Rica (MT) trabalham pela redução. De outro, movimentos sociais e ambientalistas, mobilizados pela Articulação Xingu Araguaia (AXA), querem que a regra seja mantida.

Em 2001, a Medida Provisória (MP) 2166 alterou a Reserva Legal da Amazônia de 50% para 80%, mas deixou uma brecha para que, nas áreas indicadas pelo zoneamento como de ocupação antiga (a chamada Categoria 1), esse percentual se mantivesse em 50%. Na prática, as propriedades enquadradas nesse grupo durante o processo de ZSEE que tenham mais de 50% de área desmata precisariam apenas recuperar o suficiente para recompor metade com mata - e não restaurar 80% - como determina a legislação vigente.

Ocorre que no atual projeto de lei (PL) 273 que institui o ZSEE, encaminhado à Assembléia Legislativa do Mato Grosso em abril de 2008, os 13 municípios convocados para a audiência pública - além de Vila Rica, Santa Terezinha, Confresa, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu, São José do Xingu, Cana-Brava do Norte, Alto Boa Vista, São Felix do Araguaia, Serra Nova Dourada, Bom Jesus do Araguaia, Novo Santo Antônio e Luciara - não estão classificadas na Categoria 1. As áreas estão nas Categorias 2 e 3, "áreas que requerem readequação de sistemas de manejo" e "áreas que requerem manejos específicos", respectivamente.

A Prefeitura de Vila Rica (MT) faz campanha para mudar a classificação das fazendas da região para Categoria 1 (“áreas com estrutura produtiva consolidada ou a consolidar”), com distribuição de cartazes e adesivos (confira imagem abaixo) pela cidade. “Nosso município está antropizado, possui o 5º rebanho bovino do país, com 642,5 mil cabeças de gado”, justifica o secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Vila Rica, Gilmar Alves da Silva.

“O projeto de lei como está pode criar entraves à produção agropecuária do Mato Grosso. Aqui no nordeste do estado, por exemplo, a cadeia de carne está bastante consolidada”, reforça Amado Oliveira, consultor da Famato que acompanha todas audiências públicas. “Classificar o Norte Araguaia como área de floresta, que requer manejo específico, vai prejudicar a exportação da carne. O consumidor europeu vai achar que o produtor está derrubando mata para plantar pasto, o que não é verdade”, emenda o técnico que assesora ruralistas.

A principal atividade econômica da região é a pecuária, mas as lavouras de soja vêm ganhando espaço, principalmente ao longo da BR-158, rodovia que está sendo pavimentada, como mostrou o relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis: Impactos das Lavouras sobre a Terra, o Meio e a Sociedade – Soja e Mamona 2009”, lançado no mês passado pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil.

A ocupação da região foi feita por pequenos e médios produtores da região sul do país, que migraram com maior intensidade a partir dos anos 1970. Não por acaso, o seminário técnico e a audiência pública em Vila Rica estão marcados para ocorrer no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) batizado de "Saudade da Querência", localizado em plena Rua Farroupilha.

“São migrantes que têm pouca ou nenhuma relação com a floresta. A expansão da fronteira agrícola na região não considerou aspectos sociais e ambientais. E, mesmo o econômico, beneficiou somente médios e grandes produtores”, denuncia Solange Pereira, representante do Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), que faz parte da AXA

Além do Formad, a AXA reúne também a Associação Nossa Senhora da Assunção (Ansa), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o Instituto Socioambiental (ISA), a Associação Terra Viva e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Aqui não existe produção para consumo local: as pessoas têm que comprar alimentos vindos de outras áreas, cheios de agrotóxicos e caros. O zoneamento prevê a diversificação da produção e fala em sistemas agroflorestais”, comemora Solange, do Formad.

O ZSEE é definido como “instrumento de organização territorial a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelecendo medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida da população” por um decreto de 2002.

Os conflitos em torno do zoneamento são antigos: o primeiro projeto de lei foi encaminhado à Assembléia Legislativa do Mato Grosso em 2004 e retirado um ano depois. O governo estadual contratou, então, a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa Solos, do Rio de Janeiro) para fazer estudos que subsidiaram a elaboração da atual proposta.

De acordo com o secretário de Estado de Planejamento e Coordenação Geral do Mato Grosso, Yenes Jesus de Magalhães, o governo estadual deseja aprovar a proposta na assembléia estadual até 19 de julho.

“Com isso, no segundo semestre o projeto passará pela Comissão Nacional de Zoneamento [ligada ao Ministério do Meio Ambiente] e pelo Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente], a tempo de conseguirmos apresentá-lo totalmente aprovado em Copenhagen, em dezembro [na 15ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, que será realizado na Dinamarca]”, declarou o secretário à Repórter Brasil.

A audiência pública de Vila Rica é a nona de um total de 14 consultas. A primeira aconteceu em Rondonópolis, em julho de 2008; as seguintes foram em Paranatinga, Diamantino, Tangará da Serra, Cáceres, Pontes e Lacerda, Barra do Garças e Alta Floresta. Faltam ainda as audiências públicas de Sorriso, Juara, Sinop, Juína e Cuiabá (a última, marcada para 26 de junho).


(Envolverde/Repórter Brasil)

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