Por João Domingos
Ruralistas e ambientalistas têm cedido, o que deve permitir aprovação no Congresso de textos elaborados há anos
Um ainda tímido diálogo entre governo, bancada ruralista, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e ambientalistas pode enfim começar a tirar da gaveta projetos importantes para o meio ambiente e para o desenvolvimento da economia - alguns do século passado, como a emenda constitucional que torna o cerrado e o pantanal patrimônios nacionais. Outro define o que são resíduos sólidos, que acabou de completar 18 anos.
Nessa mudança de comportamento, os dois lados têm cedido e mudado a atuação. Os ruralistas não falam em desmatamento. Dizem não querer mais árvores no chão. Apenas manter áreas existentes para o cultivo de grãos e alimentos e para o gado. "Como não falamos mais em desmatamento e não queremos que isso ocorra, as torcidas organizadas acabaram", diz a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da CNA e uma das líderes dos ruralistas. "Queremos que o meio ambiente seja respeitado, consolidar o que já existe e manter a cobertura vegetal", acrescenta.
"A gente tem dialogado porque as duas partes estão cedendo. Também dá para perceber que há ruralistas que têm hoje posição mais centrada, que já pensam em resultados de longo prazo e não de curto, o que orientou o comportamento de muitos até aqui, apesar da pressão que as eleições exercem sobre eles, porque têm de dar satisfação para os eleitores, muitos também ruralistas. Também é preciso reconhecer que muitos deles estão fazendo a defesa legítima daquilo em que acreditam. Essa é a luta. O diálogo resolve", afirma o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).
Um dos primeiros passos para o início do diálogo aconteceu recentemente, na votação na Câmara da Medida Provisória 458, que regulariza posses na Amazônia de até 1,49 mil hectares. Os ruralistas asseguraram vitórias, como a garantia da indenização de benfeitorias, a possibilidade de compra das terras por empresas e o direito à ampla defesa em caso de desmatamento irregular; os ambientalistas mantiveram a exigência do respeito à legislação ambiental.
Além disso, no último dia 15, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto estabelecendo o teto de 0,5% para a cobrança da compensação ambiental. Agora, o porcentual não se aplica mais sobre o valor total do empreendimento. Descontará do total os custos do licenciamento ambiental e da redução dos impactos sobre o ambiente. Até o ano passado era cobrado 0,5% sobre o valor total da obra, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a norma até que outro decreto fosse feito. Quem obtiver o título da terra não poderá desmatá-la. Além disso, o beneficiário da titulação em áreas desmatadas terá de demarcar áreas de preservação permanente e de reserva que deverão ser recuperadas no prazo de dez anos. Quem desobedecer perderá o título.
Por causa da falta de diálogo, a votação de projetos que tratam da legislação ambiental foi deixada de lado nos últimos anos. Sem condições de votar o Código Ambiental, por prever derrota, mas pressionado pelo desmatamento na Amazônia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) editou por 67 vezes uma medida provisória que estabeleceu novos parâmetros para a proteção da Amazônia, cerrado e mata atlântica. Trata-se da MP 2.166/67, de 1996, que nunca foi votada. Como o Congresso mudou a Constituição e os trâmites das MPs, a do Código Florestal foi jogada num limbo. O STF decidiu que ela e suas companheiras têm validade jurídica, até que se dê um destino a elas.
MUDANÇAS NO CÓDIGO
A bancada ruralista prepara ofensiva para mudar o Código Florestal, a começar do nome, que deverá ser Código Ambiental Brasileiro. A intenção é apresentar projeto que estabeleça normas gerais a respeito do ambiente e deixar para a legislação estadual detalhes como a recomposição de áreas de proteção permanente.
"Queremos que as áreas consolidadas há décadas, importantes do ponto de vista socioeconômico, sejam preservadas", disse o diretor de Meio Ambiente da CNA, Assuero Veronez. "Se a legislação for aplicada, ninguém poderá trabalhar nessas áreas", prosseguiu. Desta vez, os ruralistas pretendem se preparar melhor e apresentar estudos científicos para defender suas posições. Contam com a ajuda de dois pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Nos estudos dizem que a lei atual impede o crescimento da atividade econômica e que não há base científica para transformar morros e encostas em área de proteção permanente.
Para a senadora Kátia Abreu, a Constituição dá razão aos ruralistas quando defendem um código enxuto, que deixa para os Estados a definição a respeito das áreas de proteção permanente e de reserva legal. "Estamos só querendo cumprir a lei", afirmou Kátia Abreu.
Em reunião com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, parlamentares ligados a ambientalistas e representantes de agricultores familiares e da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) decidiram que vão lutar contra mudanças que consideram descabidas no Código Florestal.
Mas querem um tratamento diferenciado para a legislação da agricultura familiar nas questões ambientais, o pagamento por serviços ambientais aos pequenos produtores, a regularização fundiária das pequenas propriedades e a desoneração, que implica compensar áreas degradadas com doações de áreas preservadas.
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