Por Leonencio Nossa, BRASÍLIA
Um dia depois de chamar ruralistas de 'vigaristas', titular do Meio Ambiente reclama de Dilma Rousseff
Um dia após chamar os empresários do agronegócio de “vigaristas” e de criticar indiretamente o colega da Agricultura, Reinhold Stephanes, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, virou ontem as baterias da polêmica para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, por tabela, acertou três outros ministros - Dilma Rousseff (Casa Civil), Edison Lobão (Minas e Energia) e Alfredo Nascimento (Transportes) .
Ao final de uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), Minc acusou os colegas de ministério de não respeitarem acordos e fazerem jogo duplo no Congresso. “Vários ministros combinavam uma coisa aqui (com Lula) e depois iam ao Parlamento, cada um com a sua machadinha, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental”, disse.
Minc negou que tenha intenção de deixar o governo. “Não condicionei a permanência no governo a absolutamente nada”, afirmou. O Estado apurou que o presidente não gostou das novas críticas e decidiu que, “na hora apropriada”, vai chamar Minc para conversar sobre os ataques aos colegas e ao PAC.
“O que eu disse para o presidente é que completei um ano, servi lealmente, resolvemos vários imbróglios, grandes licenças, e vamos resolver várias outras e que uma série de questões estavam tirando a sustentabilidade ambiental e a política dos ministérios”, contou Minc. “Ele (Lula) disse que não vai permitir que a área seja enfraquecida.”
O ministro do Meio Ambiente está incomodado com obras consideradas importantes pelo governo, como a rodovia BR-319 e as usinas hidrelétricas no Rio Araguaia, além da possibilidade de produção de cana no Pantanal. Ele disse que concedeu muitas licenças ambientais - citou as obras das hidrelétricas de Belo Monte e Jirau -, mas não houve compensações e solidariedade para área ambiental. “Foi uma conversa a sós, tête-à-tête, olho no olho e eu falei para o presidente que a área ambiental estava sendo muito agredida no Parlamento, na sociedade, desfigurando projetos ambientais sobre estradas, sobre licenciamento, sobre a questão da regularização fundiária.”
Sobre a BR-319, Minc afirmou que não concorda com a restauração e asfaltamento de rodovias na Amazônia. O asfaltamento da BR-319 é defendido pelo ministro Alfredo Nascimento, que é senador licenciado pelo PR do Amazonas e potencial candidato ao governo do Estado. Minc disse que a rodovia atravessa “o coração da Amazônia”, uma das áreas ainda intactas da floresta. “Eu disse (ao presidente) que não abriria mão disso”, relatou.
Na entrevista de ontem, Minc voltou a criticar os ruralistas. “Eu adverti os agricultores familiares que setores dos ruralistas que desmatam muito, têm monocultura, usam agrotóxicos e fazem queimadas estão aterrorizando os pequenos produtores para jogá-los contra as leis ambientais”, explicou. “Disse para eles não ouvirem esse canto da sereia, que a boa aliança deles era com os ambientalistas.”
Minc ainda comentou a reação de deputados da bancada ruralista com sua declaração de que eram “vigaristas”. O goiano Ronaldo Caiado (DEM-GO) chegou a dizer que Minc tem ligação com o tráfico carioca.
“Fui mal interpretado por alguns parlamentares e fui ofendido por eles”, disse Minc ontem. “Mas estou acostumado com embate parlamentar.”
CRONOLOGIA
As polêmicas de Minc no ministério
13/5/2008
Após 5 anos no cargo, Marina Silva pede demissão do Ministério do Meio Ambiente. Ela teve vários atritos no governo
14/5/2008
Planalto anuncia Carlos Minc como substituto de Marina. Ele hesita, mas aceita
21/5/2008
Minc diz que desmatamento aumentou e provoca o governador Blairo Maggi. “Vai ser um dado ruim. E, para variar, mais de 60% em qual Estado? Quem sabe? Mato Grosso”
22/5/2008
Começam os embates entre Minc e Mangabeira Unger, que afirma ser prematura a proposta de criar Guarda Nacional para Amazônia
Blairo Maggi contesta Minc
27/5/2008
Minc assume e diz que não será “carimbador maluco” de licenças ambientais
20/6/2008
Minc abre polêmica ao dizer que assentamentos da reforma agrária vendiam madeira a madeireiros ilegais
24/6/2008
“Acabou a moleza. Boi pirata vai virar churrasco do Fome Zero”, anuncia Minc, ao divulgar a apreensão de 3.100 cabeças de gado no PA
26/9/2008
Criticado pela presença constante na mídia, Minc participa de operações. Ele vai a Caruaru (PE) comandar a soltura de pássaros apreendidos pelo Ibama
13/1/2009
Minc critica o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e diz que ele “radicalizou muito” ao acabar com grupo que discutia mudanças no Código Florestal
16/1/2009
Stephanes e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, se unem contra Minc
15/4/2009
Com a aprovação do Código Ambiental de Santa Catarina, Minc ameaça o governador
Luiz Henrique com o uso de forças federais. Luiz Henrique avisa a Minc que usará a polícia para proteger os cidadãos
9/5/2009
O ministro participa de uma marcha no Rio, com mais de mil manifestantes, para defender a legalização do uso da maconha no Brasil. Minc diz que “o usuário não pode ser tratado como criminoso”
27/5/2009
Minc ataca ruralistas. “Os ruralistas encolheram o rabinho de capeta e agora fingem defender a agricultura familiar. É conversa para boi dormir. São vigaristas”
Lula ouve reclamações, mas faz cobranças
Nos bastidores, integrantes do governo avaliam que ministro pode estar preparando saída do cargo
João Domingos, BRASÍLIA
Dizendo-se enfraquecido por "uma sucessão de pancadarias do próprio partido, o PT, do governo, de ambientalistas e de ruralistas", o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, procurou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se queixar das agruras que vem enfrentando nos últimos meses. Lula o consolou, mas aproveitou para fazer mais cobranças: "E a licença para a Usina de Jirau?", indagou Lula, que durante viagem ao Oriente Médio soube que as obras da usina, no Rio Madeira, estavam paradas por falta da licença de instalação. Jirau é uma das principais vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
"Presidente, já está tudo resolvido. O prefeito (de Porto Velho, o petista Roberto Sobrinho) já assinou; o Ibama também. Agora, só falta o governador (Ivo Cassol, sem partido)", respondeu Minc. Cassol enfrenta problemas com o Judiciário e foi, por medida cautelar, afastado por 90 dias do governo do Estado.
Ontem, logo depois das cobranças, Minc disse a Lula: "Presidente, do jeito que as coisas vão, eu estou muito enfraquecido. E, sem sustentação política no ministério, eu fico numa situação difícil, e com isso até as licenças saem menos".
Por causa desse tipo de conversa entre Lula e Minc, já havia se instalado ontem nos bastidores do governo a percepção de que o ministro, que será candidato a deputado estadual no ano que vem, está preparando a saída. O encontro entre os dois durou 45 minutos e ocorreu logo depois de um café da manhã à base de produtos orgânicos, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde Lula despacha atualmente.
Minc, no entanto, negou que tenha feito qualquer gesto no sentido de pedir demissão. "Eu realmente me queixei da falta de apoio de meu partido, do Congresso, das coisas que vêm acontecendo. Mas não pedi demissão nem insinuei que quero sair. Pelo contrário. Recebi apoio tão forte do presidente, que estou como aquele slogan do Fórum Social Mundial - ?Um novo mundo é possível?. No meu caso, depois da conversa com o presidente, posso dizer: ?Um novo Minc é possível".
Informações de bastidores no governo apontam para uma radicalização "pensada" do ministro, como parte de um plano para deixar a pasta e se apresentar como vítima de um movimento articulado para derrubá-lo. De acordo com essas informações, o ministro teme carregar em seu currículo críticas dos próprios ambientalistas, segundo as quais teria cedido demais às imposições do agronegócio e dos ruralistas.
Minc, de fato, mudou o tipo de política ambiental do governo Lula, tocada durante cinco anos por Marina Silva. Deixou de dizer "não" para tudo, como Marina, para negociar o possível. Mostrou-se um potencial negociador. E, nessa condição, acabou recebendo críticas de todos os lados, principalmente de ambientalistas, que o acusaram de ceder aos chamados "inimigos" do meio ambiente.
Nos últimos meses, Minc acabou por receber uma sobrecarga dentro e fora do governo. O deputado petista José Nobre Guimarães (CE) juntou-se à direção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e apresentou emenda à medida provisória que cria o Fundo Soberano para liberar as obras de rodovias federais das licenças prévias do Ibama. Isso ocorreu no momento em que, por causa da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, há uma forte guerra entre ambientalistas e o DNIT. Este quer fazer a rodovia o mais rapidamente possível; aqueles afirmam que os prejuízos ambientais serão irreparáveis se a rodovia for feita sem que cuidados extremos sejam tomados.
Minc queixou-se ainda a Lula de que está sendo pressionado a assinar autorização para que seja plantada cana-de-açúcar no Pantanal. Disse a Lula que não vai assinar nada neste sentido, porque será a morte do etanol brasileiro. "Até o pessoal da União dos Canavieiros (Única) pediu para eu não assinar, porque vai atrapalhar a exportação do álcool do Brasil."
Segundo Minc, Lula lhe deu apoio nessa questão, assim como na decisão de não construir por agora nenhuma hidrelétrica no Rio Araguaia. "Já temos a Usina de Belo Monte (no Rio Xingu), inúmeras no Rio Tocantins. Então, é melhor deixar o Araguaia preservado", disse o ministro a Lula. O presidente, que gosta de pescar no Araguaia, concordou.
Outro ponto das queixas de Minc a Lula foi em relação à pressão que vem sofrendo por causa da exigência de que as usinas termoelétricas compensem a emissão de gás carbônico com a plantação de milhões de árvores. "Concordo. Por mim, essas termoelétricas não deveriam nem ter sido instaladas. Mas o problema é que não temos as hidrelétricas necessárias", respondeu o presidente. "Mas pode exigir a plantação das árvores."
Minc pediu ainda ao presidente que receba representantes da agricultura familiar. "O senhor recebeu a Kátia Abreu (senadora do DEM e presidente da CNA). Fale também com o povo da agricultura familiar." Lula prometeu que vai recebê-los dentro de 25 dias.
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