Por Washington Novaes
Quem houver passado os olhos pelo noticiário dos últimos dias terá lido sobre a série de reuniões internacionais em que se discutem, com números dramáticos e declarações candentes, as mudanças climáticas no mundo. Certamente também terá lido e visto o que está acontecendo de "eventos extremos" no Brasil, do Norte e Nordeste ao Sul do País. E provavelmente terá concluído que, se o panorama é esse, o Brasil está devendo muito em matéria de uma política adequada para essa grande questão - ainda que esta ou aquela personalidade diga que o governo brasileiro já aceita (mas não há declaração oficial e categórica) discutir compromissos obrigatórios de redução de emissões, pois estamos entre os maiores emissores do planeta.
Pode-se considerar a atenuante lembrada pelo diplomata Luiz Alberto Figueiredo - que tem sido negociador brasileiro na Convenção do Clima - de que "nem todas as cartas estão na mesa" e só o estarão em dezembro, na reunião de Copenhague (Agência Brasil, 20/5), última esperança de um acordo que substitua o Protocolo de Kyoto, que chega ao seu término. Mas nos próximos dias começa em Bonn, na Alemanha, a penúltima reunião preparatória da negociação final. E ainda continuamos perdidos em discussões sobre nossa matriz energética, planejando 68 usinas termoelétricas movidas a combustíveis fósseis (inclusive carvão mineral), altamente poluidoras, deslembrando nosso extraordinário potencial em energias "limpas" e renováveis. Também não nos lembramos do que foi dito há poucos dias ao jornalista Cláudio Ângelo pelo respeitado economista indiano Vinod Thomas: o Brasil pode "dar um salto" no desenvolvimento se aproveitar gastos públicos para investir em alguns setores, entre eles "preservação ambiental"; nossa situação em matéria de recursos naturais (terra, recursos hídricos, recursos florestais) é absolutamente privilegiada no mundo, disse ele. Mas seguimos fazendo de conta que não é importante.
Enquanto isso, sucedem-se as discussões no mais alto nível mundial. O primeiro "rascunho" da ONU para Copenhague chega a cogitar da eliminação das emissões pelos EUA e pelo Japão até 2050 (Bloomberg, 21/5), enquanto propõe reduções de 25% para China, Brasil e Índia (é um dos textos segundo o qual o Brasil "aceita negociar"; a China, não). Mas o documento trata de muitas outras questões: créditos florestais, comércio de emissões, tecnologia de captura e armazenamento de carbono, recuperação de áreas úmidas, manejo do solo na agricultura, setores com "emissões móveis" (aviões e navios), energia nuclear. Os países industrializados, nesse documento, deveriam contemplar a hipótese de baixar suas emissões em 45% (sobre os níveis de 1990) até 2022. Um dos maiores obstáculos está na China, que garante chegar a uma redução só com programas de eficiência energética, que reduziriam em 4% a cada ano seu consumo por unidade do PIB, embora 80% de sua energia provenha de usinas a carvão (que dobraram em uma década).
"Estamos num momento dramático da história humana", afirmou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. "Nosso planeta está se aquecendo a níveis perigosos." E "só temos 200 dias até Copenhague para resolver". Talvez premido pela circunstância, o Comitê de Comércio e Energia do Congresso norte-americano decidiu apoiar as propostas do presidente Barack Obama para o setor: corte de 17% nas emissões (sobre o nível de 2005) até 2020 e de 83% até 2050, além da elevação das energias renováveis (eólica e solar) para 15% do total. Mas a votação no plenário só ocorrerá em agosto e os republicanos mantêm forte oposição, com apoio de vários setores econômicos. Obama também anunciou metas para redução de 30% no uso de combustíveis, que aumentarão a eficiência dos veículos em 40% até 2016. Segundo o presidente, isso equivalerá a retirar 177 milhões de carros das ruas e estradas em seis anos e meio.
Mais complicado para o Brasil é o que informa a correspondente Patrícia Campos Mello (Estado, 19/5): o Congresso dos EUA estuda criar uma "tarifa verde" sobre produtos importados de países que não limitem suas emissões de poluentes. Talvez haja controvérsia no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), embora esta admita medidas que protejam recursos naturais. Mas se for adiante poderá atingir nossas áreas de carnes (emissão de metano), grãos (desmatamento e uso do solo), madeiras e outras.
Também preocupante para o Brasil é o alerta de relatório da ONU sobre o "crescimento galopante de favelas" no mundo e as vulnerabilidades diante de "eventos extremos" decorrentes das mudanças do clima. Essas áreas, onde moram 900 milhões de pessoas no mundo (mais 25 milhões por ano), são uma parte cada vez mais destacada nas emissões (66% do total dos gases é emitido nas cidades) e nos grandes desastres, principalmente na Ásia.
Não são as únicas ameaças. O Massachusetts Institute of Technology (MIT) manifestou (Estado, 20/5) preocupação com seus cálculos de que o aumento da temperatura no planeta pode chegar a 5,2 graus Celsius até 2100. Outros cientistas endossam as preocupações com o crescimento das emissões de metano no Ártico.
Com tantas ameaças, afinal o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas decidiu mapear a vulnerabilidade das dez maiores cidades brasileiras, "para direcionar políticas públicas de adaptação às mudanças" (disseminação de doenças, influência sobre recursos hídricos, agravamento de inundações e secas, mudanças em zonas costeiras). Para que se veja nosso retardamento nessa matéria, a resolução de mapas que permitam avaliar elevações no nível do mar é hoje de 50 centímetros, quando precisaria captar a partir de 1 a 2 centímetros.
É preciso muito mais. O governo federal continua devendo à comunidade científica e à sociedade uma discussão franca e corajosa sobre nossa política - ou sua falta - na área do clima.
Washington Novaes é jornalista
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