Agricultura e Meio Ambiente dizem ter superado diferenças envolvendo projeto de acesso a recursos genéticos
Legislação deve ficar no lugar de MP de 2001, a qual burocratizou a pesquisa, deixando empresas na ilegalidade
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA
O país poderá ter, no ano que vem, uma nova regra sobre uso da biodiversidade.
Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura dizem ter superado diferenças em torno do projeto de lei de acesso a recursos genéticos, parado desde o primeiro governo Lula devido a divergências entre as duas pastas.
A nova lei substituirá uma Medida Provisória editada em 2001 e amplamente criticada por burocratizar a pesquisa acadêmica e comercial.
As regras da MP determinam que todo e qualquer acesso a recursos genéticos (fauna, flora e microrganismos) brasileiros depende de autorização do Cgen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), órgão do Ministério do Meio Ambiente, e precisa repartir benefícios com o detentor do recurso (seja o Estado, sejam comunidades tradicionais ou indígenas).
NINGUÉM LEGAL
Apesar de ter o intuito de coibir a biopirataria, a MP acabou deixando diversas universidades e empresas na ilegalidade, já que as autorizações são demoradas.
"Não conheço quase ninguém que esteja legal. Muitos passaram anos tentando", disse à Folha o farmacologista João Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, pioneiro no desenvolvimento de drogas a partir da biodiversidade nacional.
A dificuldade cria um gargalo à inovação e ao aproveitamento econômico da biodiversidade brasileira, que ele chama de "um pré-sal". "Não há investidor que bote dinheiro porque não sabe se vai ser multado."
A situação culminou com 107 processos de acesso ilegal sendo enviados pelo Cgen ao Ibama. Resultado: multas milionárias -só a gigante dos cosméticos Natura foi multada em R$ 21 milhões. A ironia do caso é que, segundo o próprio presidente do Cgen, Braulio Dias, os 107 processos foram de instituições que haviam pedido para se regularizar.
A REGRA NÃO É CLARA
"O problema é que não havia regras claras, então os conselheiros não sabiam o que decidir", afirmou Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
Em 2007, o Cgen suspendeu a análise dos pedidos, e neste ano enviou os processos ao Ibama -que decidiu pela multa. A Natura já avisou que vai recorrer.
O episódio levou a ministra Izabella Teixeira a pedir uma reestruturação do Cgen. Dias afirma que o órgão contratará neste ano mais analistas, para agilizar as autorizações. "Os 107 casos vão ser definidos neste ano", diz.
O conselho também credenciará instituições como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Instituto Chico Mendes e algum órgão ligado à agricultura para conceder acesso aos recursos genéticos para fins científicos e comerciais.
Hoje, só o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pode conceder acesso além do Cgen, e só para cientistas.
O principal ponto, porém, é a mudança na lei.
O Ministério da Agricultura sempre foi contra o projeto da área ambiental. Primeiro, por achar que cabia a ele autorizar acesso a espécies de interesse para a agricultura.
Depois, porque a lei tem entre seus objetivos regulamentar no Brasil a Convenção da Biodiversidade da ONU. E a convenção estabelece que todo uso de biodiversidade precisa envolver repartição de benefícios.
O temor da Agricultura era que, como 90% da mesa do brasileiro é composta de espécies de outras partes do mundo, o setor agrícola fosse precisar pagar royalties aos chineses pela soja, por exemplo- e, assim, acabar ficando menos competitivo.
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