A Natura, empresa de Guilherme Leal, vice de Marina Silva, pioneira em transformar recursos da biodiversidade em negócios, é multada em R$ 21 milhões pelo Ibama, mas vai recorrer.
Uma onda de surpresa atravessou as fileiras da sustentabilidade no Brasil. A Natura, considerada como o que existe de mais avançado em transformar recursos da biodiversidade em negócios, foi autuada pelo Ibama em R$ 21 milhões. A acusação da maioria dos 64 autos de infração foi não cumprir as normas impostas por uma medida provisória (MP) 2186 de 2001, que regula o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional. Da empresa emergiram comunicados explicando a dificuldade em se obter licenciamentos para a pesquisa genética focada na criação de produtos. A voz mais surpreendente em defesa da Natura, no entanto, veio do próprio Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, responsável por regular o acesso a este patrimônio e emitir as licenças de pesquisa. O presidente do CGen, Bráulio Ferreira de Souza Dias, declarou esta semana que a Natura buscou a entidade para regularizar suas pesquisas, "Mas não conseguiram, porque não há instrumentos legais para isto". Ele alega que a MP de 2001 tem limitações e, por isso, não consegue dar segurança para a atuação de das empresas.
Em 2006 o CGen e o Ibama capitularam frente a pressões da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) para permitir às Universidades e Centros de Pesquisa o acesso ao patrimônio genético sem a necessidade de uma licença prévia, que em alguns casos pode demorar até 4 anos, segundo a diretora jurídica da Natura, Lucilene Prado. "A ciência é um campo de olhar aberto, o modelo atual da legislação brasileira é cartorial e não favorece a pesquisa", diz a executiva. No comunicado que a empresa emitiu após receber as multas, ela alega que a "atual lei brasileira sobre o tema é inconstitucional e não define regras claras para acesso e repartição de benefícios". Portanto vai recorrer das autuações.
O ambientalista e pesquisador João Meirelles begin_of_the_skype_highlighting end_of_the_skype_highlighting, diretor do Instituto Peabiru, que atua há muitos anos na Amazônia, diz que a estrutura cartorial para a concessão de licenças favorece a realização de pesquisas clandestinas. "É mais fácil pesquisar primeiro e só depois, se o resultado for favorável, buscar legalizar". Para a diretora da Natura a questão é mais séria, pois anos de espera por uma licença pode inviabilizar o lançamento de um produto. "O mercado de cosméticos é muito competitivo, dois anos é o tempo de vida de uma linha de produtos", explica.
Mas a polêmica vai mais longe. A Natura foi acusada, em 2006, por vendedoras de ervas do Marcado do Ver-o-Peso, em Belém, de se apropriar de conhecimentos tradicionais para criar produtos de suas linhas de cosméticos. Segundo a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da ONU, assinada pelo Brasil em 1992, o acesso a conhecimentos tradicionais deve ser em comum acordo com as comunidades e os benefícios devem ser partilhados. E aí a discussão entra por um caminho difuso, onde conhecimento tradicional se confunde com conhecimento de domínio público. Uma comissão da Seção Paraense da Ordem dos Advogados está analisando o caso para saber se a empresa cumpriu os procedimentos que a lei exige.
Esta confusão toda poderia ter sido evitada se a legislação já tivesse sido regulamentada. Lucilene Prado, da Natura, acredita que a pesquisa em biodiversidade deveria ter procedimentos semelhantes ao de registro de patentes. "Você registra alguma coisa depois de descoberta ou inventada, e não antes, como exige o CGen", explica. O que ela quer dizer é que para solicitar uma autorização de pesquisa, é necessário descrever o que se está procurando, e muitas vezes só se descobre isso no decorrer das pesquisas. Outro ponto polêmico em relação a essa legislação, é que, ainda na gestão da ex-ministra Marina Silva, foram feitas as consultas públicas para resolver os problemas da MP de 2001, e um projeto foi encaminhado à Casa Civil. Como não houve acordo dentro do governo, esta proposta nunca chegou ao Congresso e nenhum substitutivo foi elaborado. Por esta indefinição jurídica, em 2007 o CGen suspendeu os processos de regularização que estavam correndo no orgão.
A Natura reconhece que um dos pontos críticos de sua estratégia de negócios é o relacionamento com as comunidades que fornecem os frutos, sementes e outros produtos com os quais produz seus cosméticos. Para superar esses problemas criou um fundo para fazer a gestão dessa relação. Mas é preciso que a legislação seja clara e tenha objetividade em relação às obrigações das partes, reconhece a própria direção do CGen. A determinação para que o Ibama retome as fiscalizações sobre os supostos infratores veio do Ministério Público, que determinou que a pesquisa sem a anuência prévia dos orgões de regulação está fora da lei e, portanto, passível de autuação.
O Brasil assumiu na recente 10ª. Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10), em Nagoya (Japão) uma posição considerada de vanguarda em direção a uma regulação interacional sobre o tema. O acordo, assinado no início de novembro por 190 países, prevê a redução pela metade da perda global de espécies até 2020. O Protocolo de Nagoya, como ficou conhecido, prevê o aumento das áreas terrestres protegidas (unidades de conservação) dos 12% atuais para 17%. O mesmo cuidado deve ser aplicado nos ecossistemas marinhos: as áreas protegidas deverão passar de 1% para 10%, até 2020. Mas isso é apenas uma parte das necessidades de preservação. Outro ponto importante é a regulamentação do uso da biodiversidade dentro de um modelo de economia ética e sustentável, e esta confusão jurídica mostra que o Brasil ainda está longe disso. (Envolverde)
(Agência Envolverde)
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