José Pedro de Oliveira Costa - O Estado de S.Paulo
A Conferência de Nagoya, dos Estados parte signatários da Convenção da Biodiversidade, encerrada há dias, constituiu-se num marco histórico. Nela foi aprovado um "protocolo" que, entre outras disposições, propugna por pelo menos 17% da superfície terrestre dos continentes e 10% dos ecossistemas marinhos como áreas protegidas. É um salto e tanto, mas não é tudo. A meta anterior, indicada genericamente, referia-se a 10% da superfície terrestre e não se manifestava quanto à marinha. Durante a própria reunião de Nagoya, num dos muitos eventos paralelos, a Conservation International, uma das mais prestigiosas ONGs ambientalistas do mundo, defendeu a proteção de pelo menos 25% dos ecossistemas terrestres e 15% dos marinhos. Hoje temos cerca de 10% da superfície terrestre com alguma forma de proteção, e mesmo isso sem estar proporcionalmente distribuído por diferentes formações ecológicas. Alcançar 17% e 10% de proteção de cada ecossistema continental e marinho, respectivamente, exigirá, portanto, um esforço considerável, com benefícios decorrentes expressivos. E essas disposições já servem como balizamento a ser observado pelos novos dirigentes eleitos no Brasil nos níveis estadual e federal. Servem também como indicador de como estão equivocadas as discussões sobre o Código Florestal Brasileiro, em tramitação no Congresso Nacional.
Além dessas metas, o "Protocolo de Nagoya" também determinou regras com respeito ao acesso e repartição de benefícios decorrentes da utilização da biodiversidade. Essa resolução, que favorece os países mais biodiversos, como o Brasil, é um incentivo importante para a proteção das multivariadas formas de vida assumidas pela natureza. Assim, se um produto farmacêutico novo ou um cosmético a ser desenvolvido usar uma planta de determinada região, esta deverá receber parte dos benefícios decorrentes desse uso. Da mesma forma, ao utilizar o conhecimento tradicional de determinado grupo social, este deverá compartilhar os lucros financeiros desse uso. Parece óbvio, mas foram necessários quase 20 anos de negociações, desde a assinatura da Convenção da Biodiversidade na Rio-92, para que se chegasse formalmente a esse acordo.
Depois de muito estudar essa questão e tendo trabalhado nas últimas quatro décadas observando seu desenvolvimento, em especial no Brasil, entreguei recentemente à USP estudo aprofundado sobre o tema. Nesse trabalho reitero que no cômputo derradeiro para se alcançar um equilíbrio sustentável em nossa permanência na Terra será necessário que preservemos pelo menos 33% da superfície do planeta como Áreas de Proteção Integral e outros 33% como Áreas de Uso Sustentável, ficando os demais 33% para usos extensivos. É mais ou menos o que temos como situação de uso atual na Amazônia brasileira. Esses porcentuais, com ajustes para cada situação, devem ser a meta de longo prazo para todo o planeta, para todos os ecossistemas, tanto terrestres como marinhos, se nos quisermos manter em equilíbrio confortável com o planeta.
Apresentei essa ideia durante a reunião promovida pela Conservation International em Nagoya, onde foi bem recebida. Sem dúvida, não será uma equação fácil de alcançar e uma questão dessa magnitude vai depender do desenvolvimento de novas tecnologias, controle e redução da população humana, compensações ambientais e muitas outras variáveis. Principalmente de um novo entendimento da relação do homem com a natureza. Ao mesmo tempo, as secas amazônicas e as mudanças climáticas que já ocorrem e, infelizmente, ao que tudo indica, se intensificarão devem servir para que a humanidade se convença da necessidade e das imensas vantagens psicológicas, econômicas e sociais de viver em equilíbrio com a natureza.
Necessária se faz uma menção ao trabalho desenvolvido nessa conferência pelo Brasil para que alcançássemos tantos sucessos. O Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente desempenharam papel crucial, universalmente reconhecido, nesse processo. E isso reforça nossa posição de líder ambiental no fórum mundial, papel esse a nós destinado como nação detentora da maior biodiversidade do planeta. Apesar das discussões menores sobre o tema que ainda prevalecem em âmbito interno, no setor externo o Brasil atingiu um brilho nunca alcançado, que foi reforçado pela notícia divulgada durante a conferência da expressiva votação recebida por Marina Silva. Será uma incongruência que o País, tendo avançado tanto nessa matéria no cenário internacional, permita a paralisia ou o retrocesso do tema no cenário interno. Também se aprovou em Nagoya um significativo plano de ação para os governos subnacionais, o que dará impulso aos trabalhos de conservação da biodiversidade desenvolvidos por Estados e municípios.
Por tudo isso, e para que se implementem essas metas, há muito o que fazer. No Brasil, precisamos aumentar consideravelmente o número e a qualidade da gestão de nossas áreas protegidas, garantindo de fato a proteção da biodiversidade, assim como os rendimentos e os benefícios sociais decorrentes de sua implantação. Principalmente, será necessário envolver outros setores da sociedade nesse processo, e não ficarmos somente com os ecologistas e órgãos governamentais correspondentes respondendo pelo equilíbrio ambiental. O setor privado já contribui por meio de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, mas isso ainda é pouco e as empresas podem e devem fazer muito mais. Com o setor agrário, o maior beneficiário de um ambiente e um sistema de águas equilibrados, é preciso transformar em colaboração o que hoje é antagonismo. E o setor público precisa transformar em realidade a introjeção da proteção da biodiversidade em todos os segmentos de sua atuação. Por enquanto, festejamos Nagoya, que deu um primeiro e importante passo nessa direção.
ARQUITETO, ECOLOGISTA, PROFESSOR DA FAU-USP, FOI O PRIMEIRO SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO E SECRETÁRIO NACIONAL DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS DO GOVERNO FEDERAL
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