Leilão de florestas deslancha sem alarde e gera royalties de R$6 milhões ao governo pelos próximos 40 anos
Liana Melo
Tudo na Floresta Amazônica tem proporções superlativas. Do seu tamanho, 400 milhões de hectares espalhados por nove estados, a seu modelo de ocupação, marcado por desmatamento, extração predatória e problemas fundiários. Como a ilegalidade tomou conta da cadeia produtiva da madeira na região, o produto que sai da floresta contribui com 8% do Produto Interno Bruto (PIB), mas engorda em mais de 50% as estatísticas oficiais de emissões de gases de efeito estufa. Colocar em ordem esta enorme e secular desordem é a tentativa do governo ao começar a leiloar a floresta à iniciativa privada.
Este ano, o Serviço Florestal Brasileiro licitou os dois primeiros lotes de florestas nacionais: a do Jamari, em Rondônia, e de Saracá-Taquera, no Pará. Com isso, o governo garantiu pagamentos de royalties anuais de R$6 milhões pelas próximas quatro décadas. O terceiro lote, a Floresta Nacional do Amana (PA), já está em fase de licitação. O prazo de entrega dos envelopes com as propostas financeiras termina dia 15.
As concessões vão continuar ao longo de 2011: três delas ocorrerão no Pará e uma quarta em Rondônia. A meta é chegar a 10% da Floresta Amazônica repassada ao setor privado. A concessão da floresta deslanchou sem alarde e sequer constou do discurso dos candidatos na campanha eleitoral deste ano.
A licitação para concessão florestal na Floresta Nacional do Amana certamente será bem sucedida, pois o setor madeireiro do Pará tem interesse em madeira certificada ? aposta Wanderson Vieira, analista da gerência de concessão florestal do Serviço Florestal Brasileiro, comentando que o preço mínimo será de R$6,6 milhões, mas preferindo não adiantar quantas empresas já entregaram suas propostas.
Ao contrário dos EUA, Brasil não exige rastreabilidade
Um caminhão com tauari foi o primeiro carregamento de madeira a deixar os 17,1 mil hectares de um dos lotes de Jamari. A carga foi retirada pela empresa Madeflora, na última quarta-feira. As outras empresas concessionárias do Jamari, a Amata e a Sakura, também já iniciaram a extração. A madeira, no entanto, está estocada. Novo corte agora só em 2011. E só daqui a 30 anos é que as empresas poderão voltar a derrubar árvores neste primeiro lote, tempo considerado suficiente para a regeneração natural da floresta. A gente sempre apostou nesse momento e ele chegou. É um desafio e deu certo ? comemora Jonas Perutti, dono da Madeflora, comentando que a madeira retirada será vendida para uma empresa do ramo de transporte de carga.
? Estabilidade jurídica é o principal atrativo deste modelo, além de oferecer a possibilidade de a madeira ser identificada, ganhando um número, como se fosse um CPF ? elogia o ex-presidente da Orsa Florestal Roberto Waack, atual presidente da Amata, empresa vencedora de um lote de 46,1 mil hectares de floresta em Jamari. ? Os principais mercados de madeira do mundo, como Estados Unidos e Europa, querem saber a origem do produto.
Segundo Waack, o consumidor brasileiro é grande comprador da madeira retirada ilegalmente da floresta. É que o país, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, não exige rastreabilidade. A falta de transparência leva o consumidor a contribuir inconscientemente com a ilegalidade:
? É uma cadeia produtiva que começa ilegal na sua origem, mas acaba legalizada, quando a madeira vira móvel e é exposta nas vitrines das lojas.
A rastreabilidade já é uma exigência do mercado lá fora, admite Justiniano Netto, diretor-executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex), avaliando que, no futuro, pode virar uma barreira não tarifária. Ele também advogou para a Ebata, empresa que ganhou a concessão de um dos lotes da Floresta Nacional de Saracá-Taquera:
? A empresa pagou R$1,7 milhão por uma área de 30 mil hectares, enquanto a outra empresa vencedora foi a Golf Indústria e Comércio de Madeiras, que disputou um lote de 18,7 mil hectares.
Para disputar o leilão é preciso aceitar as exigências do novo modelo de desenvolvimento econômico proposto para a Amazônia. Anualmente, somente 1/30 da área licitada poderá ser utilizada e, de cada hectare, a extração máxima é de 25 metros cúbicos de toras. E mais: está terminantemente proibido derrubar árvores que estejam condenadas à extinção, assim como espécies com menos de três exemplares num único hectare.
A regra agora é implementar uma economia florestal baseada num modelo de manejo sustentável, explorando madeira com o mínimo de impacto ambiental. Exatamente o contrário do que é feito hoje. Até setembro último, a Amazônia já tinha perdido 170 quilômetros quadrados de floresta nativa, segundo levantamento feito pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
? É impossível se contrapor a um modelo de exploração que visa a enfrentar a ilegalidade, mas para mudar o paradigma é preciso que a política ambiental esteja acoplada à política industrial ? alerta Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), comentando que a indústria madeireira do país precisa ser mais "virtuosa e produtiva".
Os adjetivos usados pelo pesquisador para avaliar o modelo de concessão de florestas nacionais são, na verdade, uma cutucada. Ele chama a atenção para o fato, por exemplo, de que hoje a indústria de madeira no país registra um alto grau de perda. Apenas 30% da madeira extraída são aproveitados, o que significa um resíduo de 70%:
? É madeira que fica estocada no pátio das serrarias queimando e emitindo gás carbônico.
"Valor financeiro para a floresta em pé"
Considerada uma indústria com retorno financeiro rápido e polpudo, o pesquisador do Imazon Adalberto Veríssimo lembra que a madeira gera mais emprego que outros setores, como pecuária, soja e mineração. A indústria de madeira no país, segundo ele, gira em torno de R$5 bilhões anuais e a taxa de retorno dos empresários chega a ser próxima de 40%.
? Este modelo de concessão é uma das melhores alternativas para a floresta, já que sufoca a ilegalidade e cria a possibilidade de geração de emprego e renda. É uma forma de estipular um valor financeiro para a floresta em pé.
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