Daniela Chiaretti
O arquipélago do Marajó tem área maior que Santa Catarina ou o Rio de Janeiro e paisagens belíssimas de rio e floresta. Por ali passam 25% da água doce do planeta e a região produz metade do açaí do mundo, que já foi vendido a R$ 18 o litro em Belém e enriquece empresas dentro e fora do país.
Mas algo deu errado no estuário do Amazonas. Mais de 70% dos quase 500 mil marajoaras vivem na faixa da pobreza e 80% não têm água encanada. A economia está em colapso, 80% da população adulta é analfabeta e as unidades de conservação não protegem as águas fluviais. Agora há um esforço de governo, ONGs e empresas para reverter o quadro e fazer com que o arquipélago ganhe o selo de reserva mundial da biosfera, da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A ideia é dar visibilidade à região - que tem na ilha de Marajó sua estrela mais famosa - e perspectiva de um futuro sustentável ao arquipélago e seus moradores. Existem mais de 560 reservas da biosfera no mundo - a ilha de Lanzarote, onde viveu o escritor José Saramago, é um destes lugares.
O Brasil tem seis reservas do gênero - a Mata Atlântica foi a primeira. É uma maneira de proteger, promover o turismo sustentável, conservar e dar perspectiva econômica aos habitantes, acredita João Meirelles, um dos fundadores da SOS Mata Atlântica e hoje diretor-geral do Instituto Peabiru, que trabalha como facilitador entre os marajoaras e os interessados em implementar o programa Viva Marajó.
Marajó, famosa no passado pelos búfalos que herdou de um acidente com um barco que vinha da Guiana Francesa, perdeu metade do seu rebanho. Há alguns anos, o Ibama fechou todas as serrarias de lá, todas ilegais, inclusive grupos americanos e japoneses, mas 5 mil pessoas ficaram sem trabalho.
A região tem 16 municípios, área maior que oito Estados brasileiros e riquezas únicas no planeta: é o estuário do Amazonas e do Tocantins, o que significa que por ali passa ¼ de toda a água doce superficial do mundo. Tem alta biodiversidade (é a única região do mundo onde convivem o peixe-boi marinho e o amazônico, por exemplo), um dos patrimônios arqueológicos mais importantes do país, ruínas do período colonial, forte identidade cultural, belas paisagens. Mas vive uma realidade social crítica.
Marajó importa, por exemplo, mais da metade da mandioca que consome. Cerâmicas marajoaras são contrabandeadas sem nenhuma fiscalização. O IDH é muito baixo e a insegurança fundiária, alta. Quase 80% da população não tem acesso a água limpa, e metade não tem energia elétrica. O rebanho bovino caiu pela metade, o turismo não tem expressão econômica e as unidades de conservação são frágeis. Não há nenhuma área de preservação permanente entre elas.
"O Marajó ficou esquecido do poder público, é uma região abandonada", diz Meirelles, que está conduzindo uma enquete com a população para rastrear suas dificuldades e desejos, financiada pelo Fundo Vale. Ele cita alguns números: Marajó responde por pífios 2,7% da economia do Pará, tem um PIB de R$ 950 milhões. "É menos do que o empresário Eike Batista pagou de imposto no ano passado", disse Meirelles, durante seminário sobre os desafios para o desenvolvimento da Amazônia na próxima década, promovido pelo Fórum Amazônia Sustentável. A renda média diária é de R$ 5, um terço da renda média do paraense. Por sua vez, a renda média diária do paraense é menos da metade da média do brasileiro.
A candidatura ao Programa Homem e Biosfera da Unesco, para transformar a região em reserva da Biosfera Amazônia-Marajó, é uma iniciativa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e tem apoio do ministério. Uma das tarefas, agora, é fazer com que 5% da área da região seja de preservação permanente, um requisito do programa da Unesco. "Temos que pensar a Amazônia em termos de identidade", diz Meirelles. "E trazer urgentemente a agenda social para o Marajó, além da ambiental. Aqui se vive uma situação social crítica."
Uma das vertentes importantes, acredita, é o açaí. "A região do estuário do Amazonas é o maior produtor do mundo de açaí, Marajó responde pela metade disso, mas não se beneficia", diz Meirelles. Segundo ele, há 80 empresas no Pará que beneficiam o açaí, três delas grandes. "O açaí poderia acumular mais renda, virar um modelo mais democrático de distribuição de benefícios." Outro ponto a ser explorado é o ecoturismo e o turismo cultural. O arquipélago tem sítios arqueológicos únicos que não estão protegidos.
A jornalista viajou a Belém a convite do Fórum Amazônia Sustentável
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