terça-feira, 26 de outubro de 2010

Paraíso ameaçado por secas e espécies invasoras

A biodiversidade do Pantanal está ligada à forma de bacia do bioma. A água desce lentamente a planície, que baixa até 12 centímetros por quilômetro, do leste ao oeste; ou três centímetros por quilômetro, de norte a sul. Neste ritmo, ela demora até seis meses para atravessar os 140 mil quilômetros quadrados do bioma. A viagem lenta garante a permanente existência de alguma região inundada, inviabilizando a agricultura e, em boa parte, a construção de estradas. Graças a esse obstáculo natural, o conjunto de diferentes ecossistemas está preservado. Cerca de 85% da vegetação nativa estão de pé.

Nas bordas pantaneiras, porém, os problemas se acumulam: cidades crescem sem planejamento, plantações abusam de agrotóxicos, mineradores clandestinos prosperam e o desmatamento avança. E todas essas atividades ocorrem às margens dos principais rios que seguem para o Pantanal.

- O Pantanal é uma planície de inundação.

Tudo que ocorre na parte alta o afeta significativamente - resume Débora Calheiros, pesquisadora da divisão do Pantanal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Pantanal). - No planalto, mais de metade da vegetação nativa já foi derrubada, inclusive a mata ciliar que protege as margens dos rios. E 75% da água vêm justamente dessa região crítica.

Débora integrou os Projetos Ecológicos de Longa Duração, uma iniciativa que monitorou, até o ano passado, a qualidade da água que drenava para as planícies. Encontrou quantidades crescentes de metais pesados e elementos tóxicos, resultado do emprego de agrotóxico em diversas áreas e do garimpo de ouro na região do Poconé, no Mato Grosso. Todos os rios passam por processo de assoreamento - ou seja, entopem-se cada vez mais com sedimentos, principalmente areia, resultado do uso intenso do solo por atividades como agricultura e pecuária.

- Há indícios de que o assoreamento está afetando também a água subterrânea, que mantém os rios nos períodos de seca - observa Débora.

A chegada da água, progressivamente dificultada, compromete a limpeza do pasto. Sem a decomposição dessas plantas na época de chuvas, não há nutrientes para alimentar os animais. A cadeia alimentar - e, por extensão, a biodiversidade - fica comprometida. Alguns pesquisadores temem também que o Pantanal esteja entrando num período de secas mais severas, que poderia ter relação com a ação humana. A cada dez anos, o bioma passa por períodos de seca acentuados.

Mas agora ela dura mais: a última começou em 1997 e não acabou.

Outra preocupação da Embrapa é com os prognósticos de que o desmatamento na Amazônia reduzirá a transpiração das árvores e a formação de nuvens.

- O Pantanal recebe muitas chuvas da Floresta Amazônica - alerta Walfrido Thomas, também pesquisador da Embrapa. - E a derrubada da mata é maior justamente na região fronteiriça ao Pantanal. Há, portanto, chance de que as secas aumentem.

A diminuição de áreas inundadas afeta diretamente alguns animais do bioma, como os jacarés. Há 24 anos estudando esses répteis, Zilca Campos já observou mudanças até na paisagem ao redor da fazenda da Embrapa, quase na fronteira com a Bolívia.

- Os jacarés têm sofrido muito com a estiagem prolongada - lamenta. - Eles dependem da água para que sua temperatura corporal não suba demais. As chuvas diminuíram muito desde o início da década. Antes, havia cerca de 100 lagos ao redor da fazenda.

Não há mais nenhum.

- As lagoas marginais, que se desenvolvem paralelas aos rios, funcionam como berçários para os peixes - acrescenta Guilherme Mourão, especialista na fauna pantaneira.

- Por isso eles dependem das enchentes para se reproduzir. São as inundações que fazem os peixes subirem os rios e recorrerem a esses viveiros naturais. E não podemos esquecer que diversos animais, de tuiuiús e garças a ariranhas e lontras, dependem do peixe para se alimentar.

Outro grave problema são as espécies invasoras.

As piores são as de moluscos aquáticos como o mexilhão dourado. Proveniente do sudeste asiático, ele foi introduzido na bacia do Rio da Prata, na Argentina, pela água de lastro de navios. Conseguiu sobreviver na região do estuário e se dispersou pela bacia do Rio Paraguai.

- É uma espécie que, devido à altíssima densidade populacional, pode provocar grandes danos à biodiversidade - assinala Márcia Divina, pesquisadora de Ecologia Aquática da Embrapa.

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