sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Indústrias no coraçao da floresta

Simone Goldberg

Empresas conciliam produção de alumínio e celulose com projetos sustentáveis

O que uma gigante multinacional que produz bauxita e alumínio e um fabricante de celulose e papel com capital 100% nacional têm em comum, além de consumirem imensos volumes de recursos naturais como matérias-primas? A americana Alcoa e o grupo brasileiro Orsa estão mais próximos do que parece à primeira vista. Ambos desenvolvem, com modelos diferentes, projetos sustentáveis em plena floresta amazônica. O Grupo Orsa está presente na área há dez anos, desde quando assumiu a Jari Celulose. Já a Alcoa fez sua estreia no pulmão do mundo mais recentemente.

Em 2005, os 35 mil moradores do município de Juriti, no oeste do Pará, se depararam com duas novidades que transformaram suas vidas. A primeira foi a licença ambiental para a Alcoa abrir uma mina de bauxita na região, incluindo a construção de uma unidade de beneficiamento, uma ferrovia e um porto. A segunda foi a forma como o projeto, batizado de Juruti Sustentável, foi estruturado: um modelo inédito de parceria com outras instituições, como o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVces) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

A mina, que exigiu investimentos de R$ 3,5 bilhões, foi inaugurada em setembro. O presidente da Alcoa América Latina e Caribe, Franklin Feder, admite que havia resistências iniciais. Hoje, o nível de adesão ao projeto é de 90%, afirma. "Temos um projeto aberto, sem muros, e se não conquistarmos essa licença todo dia, a comunidade pode interromper nossa operação a qualquer momento", ressalta. O modelo do projeto Juruti é baseado em ações voluntárias montadas em um tripé de sustentabilidade: o Conselho de Juruti Sustentável (Conjus), o Sistema de Indicadores de Sustentabilidade e o Fundo Juruti Sustentável (Funjus). Os indicadores, levantados pela FGV em parceria com os moradores da região, ajudam a orientar as decisões do conselho, que, por sua vez, passa ao Funjus quais áreas ou projetos são prioritários.

A agenda inclui uma série de investimentos da Alcoa que somam R$ 50 milhões em ações nas áreas de infraestrutura rural e urbana, saúde, educação, cultura, meio ambiente, entre outras. "De 50 em 50 anos, a Alcoa abre uma mina de bauxita. O mundo e os requisitos sociais mudaram muito. Antes, se fazia operação de mineração cercada por muros. Não dá mais para ser assim. Em Juruti, ainda estamos construindo um novo modelo", observa Feder.

Em maio de 2009, o Fundo Juruti Sustentável (Funjus), administrado pelo Funbio, foi lançado em fase-piloto. Ele terá aporte de R$ 2 milhões da Alcoa - dos quais R$ 500 mil foram desembolsados para a primeira etapa, que deve durar dois anos. Em 2010, a Alcoa e o Funbio selecionaram 21 projetos de pesca, criação de aves e peixes para geração de renda, apicultura, agricultura, formação de associações de produtores, entre outros, para receberem apoio. A ideia é atrair outros parceiros e ampliar a lista de projetos sustentáveis financiados.

Feder acha que existe preconceito em relação à atuação de empresas privadas na Amazônia e o Brasil, um dos países mais megadiversos do mundo, tem perfil de liderança e pode defender, em Nagoya, uma operação empresarial responsável na região. E cita a Alcoa como exemplo a ser seguido. O plano de revegetação das áreas mineradas em Juruti começa até dezembro, menos de dois anos depois de iniciada a operação.

A Alcoa também apoia, desde 2008, o programa Quelônios da Amazônia, coordenado pelo Instituto Chico Mendes e que preserva tracajás e pitiús (espécies de tartaruga consumidas como alimento pelos moradores locais). O projeto compreende 50 áreas de desova, em 11 comunidades na região de Juruti. Outro programa com participação da empresa por intermédio de convênio de US$ 1 milhão com a Conservação Internacional (Cl) - é o Corredor da Biodiversidade da Amazônia, ao sul de Juruti, uma área com 12 milhões de hectares, também em parceria com o Instituto Chico Mendes, o Ibama e CTBio.

Na região do Rio Jari, fronteira dos Estados do Pará e Amapá, no coração da Amazônia, vivem cerca de 120 mil pessoas. Ali o Grupo Orsa, controlador da Jari Celulose, Papel e Embalagem, vem ajudando a mudar a imagem de vilã do meio ambiente que esta indústria carrega e provar que é possível preservar de olho em bons negócios. A área da Jari inclui cerca de 1,3 milhão de hectares, dos quais 120 mil destinados ao plantio de eucalipto e 545 mil para manejo sustentável de florestas nativas, certificadas pelo FSC Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal). O restante da área é formado Preservação principalmente por florestas preservadas.

"O Brasil pode ser o maior fornecedor de madeira certificada do mundo, preservando a floresta, com o manejo certificado", diz o presidente do grupo, Sérgio Amoroso. "Mas o mundo precisa estar disposto a pagar mais por isso, e nem todos estão." Segundo ele, o aumento no custo é de 20% a 30%, percentual que, no final da cadeia produtiva, vai ter um impacto de 5% a 6%. A Orsa Florestal, uma das empresas do grupo, explora 20 espécies de árvores nativas da Amazônia e sua produção vai para as indústrias de construção civil, móveis, pisos, portas, entre outras. Atua em uma área de 545 mil hectares, dos quais 92 mil são destinados à preservação absoluta, com sete reservas genéticas e a área de proteção do entorno da Estação Ecológica do Jari.

Ele explica que o grupo só "aguenta" tocar um projeto de manejo sustentável, porque tem toda a infraestrutura pronta. Da produção de madeira certificada da Orsa Florestal, 60% vai para o mercado externo. São poucos os países que pagam o prêmio por comprar um produto ambientalmente responsável. A Holanda, um dos principais clientes, é um deles. Dos 40% que ficam no mercado interno, ninguém paga. Mas esse cenário vai mudar em 2012, porque a partir de então toda madeira que entrar na Europa terá de ser certificada.

A Orsa Florestal tem papel importante na política de proteção à biodiversidade local. A técnica de retirada das árvores preserva as mais novas em uma área de exploração anual de 15 mil hectares. Essa atividade só voltará a acontecer no mesmo local depois de 30 anos, tempo exigido pela natureza para se recuperar. Para não afetar a população local, que utiliza frutos nativos como o do pequiá em sua alimentação, a empresa só retira esta espécie a partir de três quilômetros de distância dos povoados.

Outras árvores, como andiroba e copaíba, não são derrubadas para comercialização da madeira. A empresa enxerga nelas outras riquezas. É que delas são extraídos óleos vegetais terapêuticos muito comuns na medicina da região. "Produtos fitoterápicos são mais um nicho de negócio'', diz Amoroso. Segundo ele, é preciso desenvolver projetos sustentáveis que atendam às expectativas das pessoas, gerando alternativas de renda.

E cita o projeto Castanha, da Ouro Verde, outra empresa do grupo, em parceria com a Fundação Orsa que presta assistência técnica e qualificação para os produtores. A Ouro Verde produz azeite extravirgem de castanha e concorre com seus similares feitos de oliva. Em 2009, foram beneficiados extrativistas de 16 municípios do Vale do Jari, além de quatro associações e uma cooperativa. Juntos, eles comercializaram mais de R$ 500 mil na região. Uma parceria no mesmo estilo pode ocorrer para produzir fitoterápicos.

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