terça-feira, 16 de novembro de 2010

REDD pode sair do forno em Cancún

Após Nagoia, pressão aumenta sobre acordo do clima em Cancún

Duas semanas sem comer, correria, unhas roídas e olho na contagem regressiva.

É preciso chegar a um acordo, com unanimidade de votos. Foi assim a rotina dos delegados mundiais na Convenção sobre Diversidade Biológica, fechada com acordo inédito mês passado, no Japão. E será assim daqui a duas semanas, na COP-16, Conferência Mundial do Clima, em Cancún, no México. Uma trouxe mudanças que irão afetar a vida de países e empresas que utilizam recursos genéticos de outras nações, como explicou a consultora do Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) Daniela Lerda. A outra vai começar sem grandes expectativas, mas pode surpreender. Segundo o chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Carlos Nobre, o provável é que ao menos o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) ganhe alguma regulação. Ele já estaria prontinho para sair do forno.

Embora o acordo em Nagoia tenha sido noticiado como um fôlego a mais para a COP-16, os dois especialistas fazem questão de separar bem as duas coisas. A agenda da biodiversidade tem seus desafios, enquanto a agenda do clima tem outros, talvez ainda maiores pela imensa discussão que o assunto tem provocado. O que fica para a COP de Cancún, porém, é a vontade dos líderes mundiais de sinalizarem avanços para conter as mudanças climáticas, como houve com a biodiversidade.

A ecóloga Daniela Lerda, que esteve em Nagoia como representante do Cebds, ressaltou que o acordo não significou a solução de todas as pendências relacionadas à biodiversidade. Citando o texto final da Conferência, ela lembrou que pontos como o financiamento do setor privado na preservação da biodiversidade ficaram de fora: - Bolivia, Equador, Cuba e Venezuela pediram a retirada da menção sobre mecanismos inovadores de financiamento.

Aí entraria, por exemplo, a atuação da iniciativa privada no acordo. As empresas podem fazer fundos de apoio, ou projetos em parceria com governos, mas isso ficaria muito mais forte se fosse regulado pelo acordo.

Os delegados comemoraram muito, por outro lado, já que foram definidas regras para o uso de recursos genéticos das espécies de cada país (conhecido como Protocolo de ABS, sigla em inglês). O grande ganho é um esforço para se conter a biopirataria.

Para o Brasil, o protocolo é muito importante, e deve demandar novas ações das indústrias farmacêutica e de cosméticos, além da agricultura, por exemplo. A p a r t i r d o a c o r d o mundial, todos os países precisarão rever suas legislações de ABS, o que será muito benéfico para os detentores da biodiversidade.

- Se uma empresa, nacional ou estrangeira, resolver produzir algo a partir de uma planta como a copaíba, vai ter de compartilhar lucros com o país detentor da espécie. E a sabedoria de populações tradicionais também seriam recompensadas, embora esse ponto não tenha sido detalhado - disse Daniela.

A questão é que os países e, principalmente, o setor privado, precisam de regras claras para se movimentar. A consultora do Cebds ressaltou que essa será a principal pressão sobre a Conferência do Clima em Cancún, como ocorreu em Nagoia. Por mais que alguns dos pontos em discussão não estejam no texto final, decisões pontuais já dão um respiro numa conferência mundial desse porte. Mesmo que os países ainda tenham que atualizar suas próprias legislações, a mensagem passada ao mundo é que o assunto merece interesse, e que o melhor caminho é se adaptar.

Já a ausência completa de um acordo, como houve na última Conferência do Clima, em Copenhague, em dezembro de 2009, pode frear investimentos de governos e empresas.

Essa pressão deve permear a COP-16, no México. E embora as discussões não tenham avançado muito nos préencontros realizados esse ano, os olhos ansiosos do mundo inteiro sobre os líderes mundiais podem acabar forçando um acordo. Essa é a opinião de Carlos Nobre, que conduz estudos para o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC). Segundo ele, o que pode sair de Cancún são acordos setoriais, entre eles o REDD: - O Brasil lidera a discussão de REDD e esse ano avançamos muito no assunto. Já estamos falando do REDD +, que conta com o valor da biodiversidade do local que será preservado.

Esse mecanismo está pronto para sair do forno. Se os líderes quiserem fechar acordo em alguns pontos, creio que esse é o ponto do momento. Já há projetos de REDD amadurecendo, é preciso definir regras mundiais.

Outra possibilidade de negociação com final feliz é o Fundo de Adaptação, pensado para apoiar países pobres e muito vulneráveis às mudanças climáticas. Há países costeiros, como Kiribati e Tuvalu, por exemplo, que estão no pé na lista dos maiores emissores de gases de efeito estufa, enquanto figuram entre os primeiros nas previsões para desastres causados por mudanças climáticas. Segundo Nobre, esse foi outro dos poucos pontos que tiveram avanço durante as negociações durante este ano: - É imoral que esses países, que não têm responsabilidade alguma sobre o aum e n t o d a c o n c e n t r a ç ã o desses gases na atmosfera, sejam afetados e não tenham ajuda.

Como esse é um ponto com o qual todos concordam, é possível que haja algum acordo em torno do Fundo de Adaptação.

Já o acordo principal, que traria metas de redução de emissão e mitigação claras, não deve vir. Segundo o pesquisador, os principais desacordos continuam, tendo como carro chefe o desenvolvimento de novas tecnologias.

Em outras palavras, os países ricos querem ser os protagonistas das tecnologias na transição para uma economia de baixo carbono. Enquanto isso, os países em desenvolvimento não aceitam ficar novamente na posição de compradores de tecnologia. Eles querem um novo papel nesse novo mundo e, para isso, precisam de mecanismos de financiamento. Além disso, há a disputa interna entre China e Estados Unidos, os maiores emissores de carbono no mundo: - A revolução tecnológica verde será do t a m a n h o d e uma revolução industrial. E a China quer divid i r o s l u c ro s dessa nova revolução.

Nin g u é m a c e i t a mais a divisão do mundo em dois hemisférios e a discussão do clima está no meio disso tudo.

É tão improvável que os Estados Unidos vejam a China como igual nos próximos anos, que nesse período o acordo climático deve ficar empacado.

Com essa visão, fica mais fácil entender como Nagoia terminou com um acordo. Estados Unidos, explicou Nobre, não é signatário do acordo. E também não há cálculos tão avançados de quanto custa financiar o combate à biodiversidade. Ainda não há como mensurar os esforços de cada país e cidadão para proteger a biodiversidade.

Fica mais fácil aprovar.

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