segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Globo - Uma Amazônia certificada

Caderno Razão Social

Por Silvia Torikachvili Especial para a Razão Social, SP

Seminário: Exministra sugere regulamentar empresas que exploram o local

A senadora Marina Silva (PTAC), ex-ministra do Meio Ambiente, propõe a instituição de certificados — com cobrança rigorosa e fiscalização implacável de cada produto contra a acelerada devastação da Amazônia.

Assim como o Leão do Imposto de Renda cobra a declaração dos contribuintes, uma espécie de Dragão da Sustentabilidade regulamentaria as empresas que exploram a floresta. A novidade foi lançada na capital paulista, no fim de outubro, durante o Seminário Conexões Sustentáveis, do Movimento Nossa São Paulo.

A sugestão da ex-ministra faz sentido. Dos 10 ou 12 produtos agropecuários consumidos no mundo, o Brasil é o maior, ou um dos maiores, produtores. Isso custou uma devastação de 720 mil km2 na Amazônia nos anos 1990. A região tem 59% do território nacional e 12% da população, dos quais 45% abaixo da linha da pobreza, segundo Mário Menezes, da Amigos da Terra.

Nos anos 1990, os pobres ali passaram de 7,4 milhões para 10,1 milhões. Já em todo o Brasil, a redução da pobreza recuou de 42% para 31%.

A solução para esse desenvolvimento econômico de baixa qualidade não pode ser senão zerar o desmatamento. Isso ainda é possível, na opinião de Beto Veríssimo, do Fórum Amazônia Sustentável, e deve ser missão de todos: — Esta luta deve ser perseguida sem trégua, como a luta travada pelo governo contra a inflação fora de controle — disse Veríssimo.

Mudar os costumes não é fácil, reconhece André Baniwa, vice-prefeito eleito de São Gabriel da Cachoeira (AM). Mas os indígenas, diz ele, têm fórmulas de disseminar o manejo das espécies para que as populações locais não empobreçam, para que o desenvolvimento econômico tenha qualidade e para que haja equilíbrio na extração das matérias-primas.

Essas questões consumiram dois dias em discussões, idéias e sugestões no seminário.

A dinâmica do desmatamento, que inclui ocupação de terras públicas, exploração agropecuária e madeireira, foi exposta por Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, no formato de dilemas. Entre eles, a ilegalidade dos ganhos fáceis, nenhuma perspectiva de desenvolvimento da região, muito marketing e pouca efetividade; infra-estrutura e tecnologias não adaptadas, crédito para desmatar e falta de serviços básicos.

— Toda riqueza gerada pela Amazônia representa 8% do PIB brasileiro e gera 60% de emissão do gás estufa — lembrou Veríssimo — A cada ano o desmatamento faz desaparecer uma área do tamanho do Sergipe. O manejo sustentável corresponde a 5% do que se extrai, é apenas uma franja do que se destrói.

A questão é: como dar escala ao manejo de forma que o mercado seja um aliado da Amazônia? A maior parte dos projetos de infra-estrutura na região segue a lógica dos interesses particulares. Os benefícios não ficam ali, e as populações pobres são, seguidamente, deslocadas para dar lugar a alguma benfeitoria.

Um dos grandes problemas é a falta de títulos de terra. O Banco da Amazônia tem mais de R$ 1 bilhão em crédito mas, sem título de propriedade, como se habilitar? — E o que é pior: sem mapa fundiário, ninguém sabe quem está desmatando o quê — disse Veríssimo.

Segundo estudo das organizações Repórter Brasil e Papel Social Comunicação, 23% da madeira extraída da floresta têm São Paulo como destino.

Além da conscientização do consumidor para pressionar varejistas, que por sua vez pressionariam os fornecedores, Veríssimo citou a necessidade de um mecanismo de transparência, que inclui observação via satélite em toda a região. E mais: suspensão do crédito que favorece a dinâmica do desmatamento e cobrança de benefícios efetivos e eficazes para a região.

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