segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Globo - Cowell, um inglês com alma amazônica

Por Leonardo Lichote

Mostra reúne obra do cineasta que documentou a floresta nos últimos 50 anos.

Ele é inglês, nascido na China há 74 anos. Mas identificou-se com os povos da floresta Amazônica — índios, seringueiros — e a eles dedicou décadas de sua vida e centenas de horas de filmes. A partir de quarta-feira, na Caixa Cultural, Adrian Cowell tem sua relação com o ecossistema brasileiro celebrada na mostra “Amazônia segundo Adrian Cowell — 50 anos de cinema”. Uma relação que começou em 1958 “por acidente”, como explica o documentarista em seu português aprendido com os índios (“Raoni foi um dos meus professores”, conta).

— Participei de uma expedição para Singapura e fiz três filmes para a BBC — lembra Cowell, que está no Brasil para participar da série de debates da mostra. — Foi a primeira viagem documentada de Londres para lá. A BBC gostou e financiou outra expedição, para a América do Sul. Chegando ao Rio, conheci Antonio Callado e Darcy Ribeiro, que me apresentaram Orlando e Cláudio VillasBoas. Nossa expedição foi com eles para o Xingu e duas semanas depois voltou. Mas eu gostei do trabalho dos Villas-Boas e fiquei por sete meses.

Diretor chamou atenção do mundo para Chico Mendes Ali, o cineasta começou a trabalhar com um assunto que atravessaria sua obra: os povos isolados. O tema aparece em filmes como “A tribo que se esconde do homem”(1967-69) e “Na trilha dos Uru Eu Wau Wau” (1990), ambos na mostra.

— Há mais ou menos 60 áreas hoje no Brasil nas quais o governo brasileiro diz haver evidências de povos isolados. No resto do mundo, talvez haja outras 40, 50 — diz. — As sociedades mais fortes sempre dominaram os povos mais fracos. O Brasil é o único país que criou uma ciência para estudar essa aproximação, pensando na preservação.

Os sertanistas formam uma escola que vem desde Rondon e vai até Sidney Possuelo, que afirmou que os índios têm o direito de fazer contato conosco apenas se quiserem. É algo único no mundo.

A mostra foi montada a partir da doação de Cowell de todo seu acervo (cerca de três mil latas de filme) para a Universidade Católica de Goiás. Nas imagens, a preocupação com o meio ambiente é central. Ao longo dos anos 1980, ele filmou a série “A década da destruição”, que documentou agressões à natureza feitas por madeireiros e garimpeiros.

Hoje ele é otimista com relação ao futuro da Amazônia: — O homem aprende com os erros e o perigo do aquecimento global dá a dimensão da importância da questão. O desmatamento caiu e a precisão dos satélites atuais permite uma repressão mais eficaz. E medidas dos governo federal e estaduaitêm tentado mostrar que a floresta em pé pode ser mais rentável que a desmatada.

Chico Mendes é personagem importante na obra de Cowell.

O cineasta teve seu primeiro contato com o líder sindical em 1985. Registrou sua ação por dois anos — inclusive os “empates”, forma pacífica de resistência na qual famílias de seringueiros se instalavam em regiões da floresta que os desmatadores pretendiam derrubar.

Com um filme pronto, indicou Mendes para prêmios internacionais de meio ambiente, chamando atenção do mundo para sua luta.

A vida na floresta — onde Cowell morou por anos — traz riscos, mas esses são bem diferentes dos imaginados.

— As pessoas falam muito das cobras, das onças, mas isso é raro. Um dos maiores perigos é quando há um vento forte. Tudo cai: galhos podres, os cocos da castanha-do-pará, que são grandes... Podem partir a sua cabeça. Mas é claro que os animais selvagens têm mais apelo para a imaginação — brinca.

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