segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Folha - Calibrando as expectativas

Artigo
Por MARINA SILVA

A ELEIÇÃO de Barack Obama teve o efeito de uma chacoalhada no mundo. Tudo parecia tão previsível -para muitos, tão sem saída- e, de repente, um fato político mexe de tal maneira com pessoas de todas as culturas e territórios que parece já vivermos novos tempos. Está no ar a emoção do momento histórico, com a chegada de um homem negro à presidência dos EUA, a derrota da doutrina belicista-intervencionista de Bush e a descoberta de que os Estados Unidos podem surpreender. As prioridades dos sonhos planetários são inúmeras: fim do embargo a Cuba, forte adesão aos esforços para enfrentar a aceleração das mudanças climáticas, fim do intervencionismo militar, política econômica capaz de colaborar para dissipar as piores previsões de recessão global, atitude mais solidária nas negociações e decisões cruciais para o mundo.

Em favor de Obama, e até mesmo de nossas esperanças, é preciso calibrar melhor as expectativas.

Não é justo messianizá-lo. É justo esperar que seja um grande estadista e ajude, com seu carisma, a construir pontes entre mundos de brancos e negros, nações ricas e pobres e entre as intolerâncias que impedem soluções novas, criativas e ousadas para problemas comuns.

Obama é herdeiro de processos represados ao longo das últimas décadas -inclusive em decorrência de mortes violentas, como as de John e Bob Kennedy e de Martin Luther King- e, finalmente, tem legitimidade e apoio para avançar além de barreiras que pareciam insuperáveis. Mas haverá poderosas resistências, e Barack Obama já demonstrou ser bastante cauteloso e determinado.

Sua história e a influência que recebeu de Stanley Ann, a mãe cidadã do mundo, inteligente e corajosa, sinalizam que está preparado para o tamanho do desafio. Maya, a irmã, conta sobre a filosofia de vida da mãe: "Não nos limitarmos por medo de definições estreitas, não erguermos muros à nossa volta e nos empenharmos ao máximo para encontrarmos a afinidade e a beleza em locais inesperados".

Stanley Ann fazia o filho ouvir discursos de Luther King e certamente ele conhece a resposta que o grande líder negro deu ao desafeto Roy Wilkins, quando este o desafiou a citar uma prova de que teria conseguido dessegregar algo com seu ativismo. Luther King respondeu: "Acho que a única coisa que consegui dessegregar até aqui foram alguns corações humanos". É o ponto de onde parte Obama: dos corações humanos conquistados, o que lhe garante uma enorme torcida em todo o planeta e uma vontade coletiva incomum de colaborar para que tudo dê certo.

MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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