Opinião
Por Heni Ozi Cukier
Há algum tempo, a Amazônia desperta a preocupação e a ansiedade dos brasileiros por ser um patrimônio estratégico nacional. Uma vez que as questões ambientais vêm ganhando os holofotes da mídia em todo o mundo, é inevitável que a nossa grande floresta esteja presente nos debates.
Provavelmente a maior ameaça que o Brasil enfrenta hoje é a ingerência externa na condução da nossa política de desenvolvimento e de preservação da Região Amazônica. Ingerência que, sem dúvida, é uma ameaça à segurança nacional brasileira. O maior perigo para o Brasil não é a mera opinião que países emitem sobre a região, mas, sim, que o debate seja guiado e pautado pelos interesses estrangeiros.
Somente o Estado tem o poder e os meios para defender os interesses nacionais. No Brasil não pode e não deve ser diferente. Afinal, o Estado depende da sua soberania territorial para garantir sua existência. Não existe Estado sem território, e muito menos Estado sem soberania sobre o seu território. Isso significa que, para os interesses da região, a preservação do território e da soberania nacional é a primeira questão a ser considerada. Em outras palavras, é impensável priorizar as considerações ambientais sem antes passar pelas questões estratégicas de segurança nacional. Tal fato seria o mesmo que inverter a ordem natural que rege as relações internacionais e as condições básicas para a existência de um Estado.
Recentemente, ativistas do Greenpeace voltaram a repetir o mantra ambientalista, ao defenderem que o Brasil deve tranqüilizar o mundo mostrando que está gerindo bem a sua floresta. Esse discurso é compartilhado por todo o movimento ambientalista internacional, conclamando que o Brasil é o guardião de um patrimônio global e por isso tem responsabilidades e deveres que vão além dos deveres e responsabilidades do resto da comunidade internacional. Essa premissa de que o Brasil deve gerenciar a Amazônia em nome de um objetivo supranacional vai na contramão do comportamento dos Estados na condução das relações internacionais. É importante lembrar que nações, quando confrontadas com dilemas que envolvem escolhas de qualquer natureza e o risco da perda da soberania territorial, sempre optarão pela alternativa que lhes convém: garantir sua existência preservando a inviolabilidade de seu território.
Não existe um consenso global sobre políticas de preservação e os países não pararam de explorar seu meio ambiente
Existem ainda outros pressupostos por trás dessa idéia de guardião do patrimônio global que não estão explícitos. A idéia de que o Brasil tem mais responsabilidades com a agenda ambiental devido a sua extensa área florestal pressupõe que a comunidade internacional tenha chegado a um consenso sobre a preservação do meio ambiente e tenha definido políticas condizentes com esse consenso. Entretanto, esse consenso não existe. Os países, obviamente, não só não pararam de explorar o meio ambiente em nome de uma preservação do patrimônio ambiental global, como ainda não exauriram seu debate doméstico sobre o tema. Tanto as emissões de CO2 dos chineses quanto a não ratificação americana ao Protocolo de Kyoto são exemplos que contrariam a existência de um patrimônio global.
Quando nos deparamos com esse argumento utilizado por ONGs ambientalistas devemos desconfiar e refletir para onde queremos seguir com o nosso debate ambiental. Para nós, brasileiros, é muito arriscado deixar que suposições falsas pautem nossa política de preservação. Antes de tudo, o debate entre desenvolvimento e preservação da Amazônia é um debate nacional. Cabe somente aos brasileiros definir o equilíbrio entre explorar e preservar nosso território. Ou seja, argumentos que evocam a responsabilidade do Brasil como gestor de um patrimônio global pressupõem a existência de acionistas externos com direitos de interferir no nosso patrimônio.
Muitas ONGs ainda dizem que é uma paranóia enxergar ligações entre a presença de estrangeiros na Amazônia e ameaças à soberania territorial do país. O realismo clássico, uma das escolas de pensamento das relações internacionais, nos ensina que países buscam, em primeiro lugar, defender e proteger seus interesses nacionais. Da mesma maneira, ONGs criadas para uma missão específica também primam por defender e proteger seus interesses próprios. Contudo, nenhum país pode se dar ao luxo de deixar sua soberania territorial à mercê de grupos que representam apenas seus próprios interesses, mesmo que esses grupos sejam instituições bem-intencionadas.
Recentemente, nos EUA, tivemos um exemplo que ilustra bem como algumas nações se comportam em relação a questões que envolvem seus ativos estratégicos. Em 2007, a empresa administradora de portos marítimos Dubai Ports World, dos Emirados Árabes Unidos, comprou a empresa britânica P&O, que detinha o controle dos maiores portos americanos. O Congresso americano vetou a aquisição e impediu que a empresa árabe controlasse seus portos. Mesmo sabendo que os Emirados Árabes Unidos são um dos seus maiores aliados no Golfo Pérsico, os representantes americanos entenderam que delegar sua segurança portuária a terceiros seria um risco muito alto para se correr. Será que os americanos tinham provas cabais que ligavam a Dubai Ports a terroristas fanáticos na hora de proibir a concessão de seus portos? Será que a decisão tomada foi embasada em atitudes paranóicas, xenófobas, ou em um princípio básico que rege questões de segurança nacional? A resposta é factual: não existia nenhum vinculo entre terroristas e a Dubai Ports.
Nada disso elimina as ameaças à segurança nacional brasileira proveniente de atores internos, como empresas e indivíduos. Também é importante deixar claro que nem todos os estrangeiros acolhidos no país representam uma ameaça à soberania nacional. O que nossos representantes precisam definir são políticas que coloquem a Amazônia como peça central estratégica da segurança nacional. As políticas estratégicas devem criar mecanismos para garantir a segurança territorial e dos recursos naturais do nosso mais valioso ativo estratégico. Os fatores estratégicos devem estar, sim, relacionados às políticas de preservação, mas a prioridade para a Região Amazônica deve ser garantir a soberania os nossos ativos estratégicos.
Heni Ozi Cukier graduou-se nos Estados Unidos em Filosofia e Ciências Políticas e é mestre em Resoluções de Conflitos Internacionais pela American University, em Washington. Trabalhou na ONU, no Conselho de Segurança, dentre outras organizações internacionais e Think Tanks americanas. Hoje atua como consultor na área de segurança internacional e estudos estratégicos.
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