quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Envolverde - Manipueira desperdiçada na Amazônia engorda boi em SP


Por Montezuma Cruz, da Agência Amazônia

CRUZ DAS ALMAS, BA – O boi engorda até um quilo por dia, ao se alimentar com manipueira. Esse fenômeno vem caracterizá-la como um forte componente na alimentação animal, atesta à Agência Amazônia o pesquisador da Embrapa Mandiocultura e Fruticultura Tropical, Mauto de Souza Diniz. Manipueira é o líquido leitoso originário da prensagem da mandioca. Os animais gostam muito, porque ela é adocicada.

Desse subproduto se faz o conhecido tucupi, presente no tacacá e no pato ao tucupi, muito apreciados no norte brasileiro. Em Sergipe, associações de criadores já recebem orientações da Emater e da Embrapa para ampliar o uso do líquido e obterem ganho na criação do gado, já que podem reduzir o espaço ocupado e diminuir o gás metano. No tanque de coleta, ela é liberada com 5% a 7% de amido. Ao ser eliminada da casa-de-farinha, num barreiro ou a céu aberto, em grande quantidade e de forma concentrada, ela se torna um resíduo poluente, devido à elevada carga de matéria orgânica e ácido cianídrico.

Como fazer

Diniz lembra a necessidade de se fazer o teste para o consumo: cinco litros de manipueira durante três dias. “Os animais que passarem por esse teste podem passar a consumi-la normalmente. Os que apresentarem alguma reação, devem ser separados do grupo que vai consumir a água da mandioca”, ele alerta.

O pesquisador recomenda cuidados no fornecimento do líquido aos animais, que devem ser preparados para consumi-la: “Só depois de três dias de repouso, quando a manipueira é pura, e cinco dias quando é impura”. Ele explica: “A manipueira é considerada pura quando sai da prensa e vai direto para o tanque de coleta. É impura quando é misturada com água, quase sempre resultante da produção de bijus”.

Outro cuidado especial: animais fracos não devem consumir a manipueira, por ser um alimento muito forte e tóxico. “Ela é recomendável apenas para animais saudáveis”, assinala. A manipueira deve ser encarada não propriamente como uma ração, mas como complemento alimentar, como um concentrado. “Em vez de beber água, os animais vão consumir manipueira, muito rica em praticamente, todos os macro e micronutrientes”, diz.

Estômago complexo

Segundo Diniz, alguns transtornos são causados: forte odor, proliferação de moscas e outros insetos, risco de intoxicação dos animais e de contaminação da água de cisternas, num raio de até cem metros. Nos ruminantes domésticos (bovinos, ovinos e caprinos) o estômago complexo tem grande importância na absorção e digestão, explica Diniz.

“Nos quatro compartimentos que têm – rumem, retículo, omaso e abomaso – se desenvolvem processos digestivos e de fermentação microbiana que permitem ao animal utilizar grandes quantidades de alimentos fibrosos, e tornam possível a inclusão de compostos nitrogenados não-protéicos nos programas de alimentação. Das fontes de energia disponíveis, o amido é mais satisfatório do que o melaço de cana-de-açúcar na síntese protéica.

Os equipamentos recomendados por Diniz para uma boa estrutura de aproveitamento da manipueira incluem uma varanda para o manuseio do produto no tanque – de preferência construído com azulejos – e o terreiro para desintegrar a raspa ao sol, também usada na alimentação animal.

Despoluição


Em Macaíba, no Rio Grande do Norte, o aproveitamento da manipueira evitou a poluição do solo e do rio Jundiaí. “Não há mais mortandade de peixes e aumentou a renda dos produtores rurais, resultado do aumento da produção de leite e uma sensível redução dos gastos com a compra de fertilizantes industrializados, desde que a manipueira passou a ser usada como fertilizante e complemento alimentar para os animais”, assinala o agrônomo.

Há também estudos para a utilização da manipueira como biogás – fonte energética renovável – obtido por biodigestão e com alta aplicabilidade para o uso residencial e no processo produtivo nas casas-de-farinha, segundo estudos feitos pela Universidade Federal de Alagoas. Em Botucatu (SP), a engenheira agrônoma Marney Pascoli Cereda, professora voluntária na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, recomendou-a como fonte energética.

Polvilheiros vendem líquido a preço de banana

SÃO PEDRO DO TURVO, SP – Em São Pedro do Turvo, município a 390 quilômetros de São Paulo, os irmãos Freitas vendem a manipueira pela bagatela de R$ 8 a tonelada. "É para não perder nada", afirma José Carlos Freitas. Além disso, engordam o plantel próprio de 150 cabeças de gado mestiço que criam no terreno da fábrica de polvilho Ourominas. A indústria tem clientes nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.

Cada cabeça tem um ganho médio de peso diário de 800 gramas a 1 Kg, conta o agrônomo Diones Salla, do Centro de Amido e Raízes Tropicais (Cerat) da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, em Botucatu (SP), que vem acompanhando as experiências desse grupo. Aí está um exemplo de como nada se perde e tudo se transforma. A fábrica também utiliza arroz e milho para a fabricação de álcool e assim pode fornecer a terceiros a vinhaça de milho, rica em proteínas, a R$ 12 a tonelada. (M.C.)

Deputado quer evitar desperdício no Purus

RIO BRANCO, AC – O aproveitamento da manipueira faz parte do anteprojeto do Pólo Sociomandioqueiro do Chandless, um sonho do deputado Fernando Melo (PT-AC), membro titular da Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. “Poderíamos utilizá-la no Acre para adubação e também na engorda do gado. A manipueira é uma matéria-prima em sua maioria desperdiçada em algumas casas-de-farinha do Vale do Purus.

Mas há quem já tenha descoberto a importância da manipueira para a produção de renda entre agricultoras de projetos de comunidades em Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves: o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Cerca de 50 mulheres começaram a produzir, há três anos, sabão feito com manipueira. Assim, passaram a economizar por não terem que comprar o produto para casa.

Com apoio do Sebrae, elas também aprenderam a fazer vinagre, inseticida e adubos naturais, em cursos ministrados pelo consultor do Sebrae do Piauí, Antônio Paixão. Ele ficou algumas semanas no Acre por meio do projeto de Produtores de Farinha do Vale do Juruá.

Melo pediu ao ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Machado Rezende apoio para desengavetar o pedido feito ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial pelo cientista José Júlio da Ponte, da Universidade Federal do Ceará, para a liberação de um estudo feito por ele, com vistas à utilização da manipueira em pó na fertilização do solo. O deputado enviou ao ministro fotos do desperdício do líquido no município de Sena Madureira. O estudo de Júlio da Ponte demonstra que a manipueira em pó serve como bioinseticida, biofungicida, bioacaricida e biofertilizante. (M.C.)

Conheça o aproveitamento da manipueira na Bahia


● Os primeiros experimentos com manipueira feitos pela Embrapa foram feitos na Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, em Cruz das Almas, em parceria com o projeto de inclusão original "Volta à Terra", criado pelo agrônomo Eduardo Ramos.

● O projeto permite que agricultores sem terra utilizem a área da Escola de Agronomia para produzirem alimentos para seu sustento. Eles também fazem experimentos científicos, ficando com o resultado da colheita.Tudo sob orientação técnica de pesquisadores da Embrapa.

● Segundo Diniz, é evidente a melhora dos pés de mandioca que receberam manipueira em quesitos como a altura e vigor aos 90 dias. As pesquisas vêm sendo concluídas. A variedade utilizada, “Cigana Preta”, é tardia, exigindo 18 meses para completar seu ciclo.

● A aplicação da manipueira apresenta melhor resultado em sulco do que em cova. Onde ela foi aplicada, as plantas ficaram mais bonitas, constatou Diniz.

● A quantidade que dá melhor resultado é a aplicação de dois litros, em sulco. Por que colocar cinco litros, se o efeito é o mesmo? pergunta Diniz. E pondera: “Agora, se for para livrar da manipueira e evitar a poluição, pode-se colocar cinco litros, em sulco”.

● Para o uso como adubo ele recomendado um repouso da manipueira de pelo menos um dia. “É por segurança: usada como inseticida, é bem provável que ela tenha ação sobre os microorganismos benéficos e maléficos”.

● Em Tancredo Neves (BA) a Cooperativa dos Produtores Rurais de Tancredo Neves (Coopatan) começou a aproveitar a manipueira, por conta de um projeto de caracterização, avaliação de impacto e da reciclagem do líquido. Segundo a pesquisadora Adriana Maria de Aguiar Accioly, um dos aspectos mais importantes desse projeto é livrar o passivo causado pelo impacto da manipueira, revertendo em vários benefícios.

● O projeto aplicado na Coopatan pretende avaliar a possibilidade de usar a manipueira até na produção de pães. A cooperativa está armazenando toda manipueira produzida no processamento da mandioca.

● A pesquisadora Alba Rejane Nunes Farias obteve resultados de pesquisa animadores. Utiliza-se a manipueira também contra cochonilha e formigas. (M.C.)


(Envolverde/Agência Amazônia)

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