sábado, 18 de setembro de 2010

As mudanças climáticas têm relação com a seca da Amazônia?

Aline Ribeiro

A Amazônia está vivendo uma das piores secas da história. A ausência de chuvas acaba com as estradas fluviais que abastecem centenas de cidades. Isolados, os ribeirinhos precisam caminhar quilômetros para conseguir água limpa e alimentos. As empresas que dependem dos rios também estão prejudicadas. O baixo nível do Madeira, no Amazonas, afetou o transporte da soja produzida no Centro-Oeste e escoada para o terminal de exportação da Cargill, em Santarém, Pará.


À primeira vista, o impulso é associar a seca às mudanças do clima. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já alertava, em 2007, que o salto da temperatura da Terra tende a aumentar a frequência dos eventos extremos, como estiagens prolongadas e enchentes severas. A última grande seca na região amazônica foi há cinco anos. A pior dos últimos 40 anos até então (a de 2010 pode lhe roubar este posto). A julgar pelo espaço reduzido de tempo entre um e outro evento, tudo indica que o clima tem alguma parcela de culpa.

Não é o que dizem os cientistas. Segundo eles, é preciso um período de 30 anos de eventos extremos para avaliar se há, de fato, alguma relação com o aquecimento do planeta. O problema é que, até lá, muita gente terá sofrido duramente as consequencias dessas alterações. As mudanças de temperatura estão entre as maiores ameaças à saúde mundial. A previsão é que, a partir de 2030, devem provocar até 500 mil mortes por ano. A maioria das mortes deve ocorrer em países em desenvolvimento. Em Bangladesh, cheias são fontes potenciais de transmissão de doenças hídricas.

Em nome da precisão científica, os pesquisadores do clima tendem a ser conservadores. Eles têm suas razões. A primeira delas é que não dá para deixar a população em pânico sem ter um grau mínimo de certeza do que publicam. A responsabilidade é grande. A segunda é que eles temem cometer erros como os que colocaram em xeque a credibilidade do IPCC. "O cientista sério é honesto e cauteloso", diz o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Nobre compara a situação a um julgamento. Levando adiante a analogia, incorpora a posição de perito. Ele afirma que, se a tendência continuar, os cientistas colocarão o aquecimento global no banco das testemunhas. Enquanto suspeito, será inquirido e analisado. Se os fenômenos se repetirem por mais tempo, o cenário muda um pouco. "Aí sim o aquecimento passaria para o banco dos réus", diz. Segundo Nobre, nenhum evento isoladamente pode ser atribuído às mudanças climáticas. A não ser que seja inédito. Claramente, não é o caso desta seca.

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