quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Desafios latino-americanos

As previsões sobre os processos de urbanização na América Latina parecem unânimes: diz-se que até 2020 a população da região já terá praticamente abandonado o campo.

CARLOS ZARCO

Afirma-se, ainda, que os habitantes do campo representarão menos de 20% da população nacional na maioria dos países. E mais: dez das 60 maiores cidades do mundo estarão em nossa região.

Esse é um cenário desafiador para a garantia de condições adequadas de vida para este imenso contingente urbano. Urge pensarmos estrategicamente o futuro dos países latino-americanos com um melhor equilíbrio entre o campo e a cidade. Para o México e o Brasil, países com grandes recursos naturais e, ao mesmo tempo, com profundas desigualdades sociais, a realidade das mudanças climáticas representa uma oportunidade única para reorientar o modelo de desenvolvimento vigente propulsor de insustentáveis megacidades em nossos países.

Décadas de abandono de políticas de desenvolvimento agrícola, em especial da agricultura familiar, associadas à implementação de políticas comerciais internacionais injustas, contribuíram para aumentar a fome no mundo. Este mês a FAO informa, em seu último relatório, que o número de pessoas que todas as noites vão para a cama sem comer é de 925 milhões - indicador inaceitável para um mundo capaz de produzir alimentos em quantidade suficiente para todos.

Os dados revelam ainda que as nações do mundo não estão conseguindo alcançar a meta acordada em 2000, no âmbito da Cúpula do Milênio, de diminuir significativamente a fome no mundo até 2015. Para cumprir o primeiro Objetivo do Milênio, temos apenas cinco anos para reduzir a pouco menos da metade o número de pessoas que passam fome.

As monoculturas, o consumo intensivo de agrotóxicos, o desmatamento, o uso insustentável da água e a produção de biocombustíveis são alguns dos temas associados às mudanças climáticas em nossos países.

Elas impõem limites para as populações mais pobres no campo, empurrandoas para as periferias das grandes cidades. É por isso que um elemento-chave na luta contra as variações climáticas extremas é o investimento maciço na agricultura familiar, particularmente em práticas agroecológicas e agroflorestais.

Com efeito, a experiência acumulada tem revelado serem esses sistemas mais resistentes à mudança do clima, mais resilientes e mais adaptados aos ecossistemas do que as práticas convencionais.

A partir das experiências e propostas da sociedade civil, a Oxfam defende um mecanismo de financiamento climático internacional participativo, eficaz e transparente visando especialmente aos países e às comunidades mais vulneráveis.

A prioridade deve ser conferida às mulheres, as principais vítimas das variações climáticas extremas. Estimativas internacionais revelam que as mulheres produzem de 60% a 80% dos alimentos consumidos nos países em desenvolvimento. Entretanto, são sistematicamente excluídas dos processos decisórios e têm acesso limitado à terra, à água, às novas tecnologias, às atividades de extensão e ao crédito.

Na próxima Conferência das Nações Unidas para o Clima, a COP16, a realizar-se em novembro em Cancún, os países devem assumir o compromisso moral, ético e político de criar um fundo, sob a responsabilidade das Nações Unidas, para o financiamento climático destinado, essencialmente, aos países em desenvolvimento.

A partir de 2020, os recursos mínimos necessários anualmente serão da ordem de US$ 200 bilhões.

O trabalho conjunto entre Brasil e México tem muito a contribuir, tanto na concepção de um fundo global quanto na de fundos nacionais para fortalecer políticas e programas de mitigação e adaptação. Cancún é o momento em que ambos os países podem influenciar decisivamente as negociações de mudança do clima.

Brasil e México podem estabelecer posições para que haja redução nas emissões de gases de efeito estufa, especialmente em países cujo elevado padrão de consumo é responsável pela maior parte dos desequilíbrios ambientais. Além disso, os dois países podem defender a implementação de políticas de apoio às regiões que precisam adaptar seus processos e práticas econômicas de produção e consumo, servindo de exemplo para outros países.

Posso garantir, desde aqui do México, que a delegação brasileira, uma das maiores no ano passado na COP15 em Copenhague, está sendo esperada para que faça valer a sua inspiração na vida política, intelectual, nos processos sociais e nas dinâmicas democráticas da região, e possamos aí, juntos, construir um cenário ainda mais promissor para a América Latina.

CARLOS ZARCO é diretor-geral no México da organização não governamental Oxfam Internacional.

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