Um a um, os grupos interessados na usina de Belo Monte foram chamados à sala da secretária da ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, durante o último mês. Os executivos foram lá para ouvir do governo que a estratégia de formar um único consórcio para competir no leilão daquela que será a maior usina hidrelétrica do país desde Itaipu não iria ficar de pé. A secretária não ameaçou, segundo um importante interlocutor de uma das empresas que foi chamada à Brasília, mas insinuou que se o grupo insistisse no projeto, Eletrobrás iria sozinha ao leilão. E isso significaria a derrota dos grupos privados.
A luz amarela se acendeu no gabinete da Casa Civil quando a Eletrobrás foi convidada a ter 10% de participação em um consórcio poderoso que nascia, liderado por Suez, Neoenergia, CPFL e Cemig. "Só 10%? A Eletrobrás que tem quase 50% de participação nas usinas do Madeira? Iria sobrar quem para formar outro consórcio?". Quem se questiona é um importante agente do setor elétrico ligado ao governo. Descobriu-se então que as quatro poderosas empresas do setor já tinham até mesmo montado um escritório, com sede no Rio de Janeiro, para estudarem a proposta que fariam no leilão. As empreiteiras, por sua vez, estavam alinhadas com essa formação e elas próprias formariam um único consórcio construtor.
Ao que parece, o recado de Erenice funcionou. Alguns gatos, inclusive, foram bem escaldados no leilão das usinas do Madeira em que o governo federal usou de todo seu poder para desfazer qualquer tipo de tentativa de cartel. Mas nesse jogo travado nos bastidores, os empreendedores também deram seu recado ao governo, que agora busca várias alternativas para facilitar as condições do investimento em Belo Monte.
Os valores totais a serem investidos ainda é pura especulação e vai de R$ 15 bilhões a R$ 30 bilhões, a depender de quem faz a conta. De qualquer forma, o edital vai abrir espaço para a participação dos autoprodutores de energia, que com isso podem aliviar a quantidade de capital a ser injetado por outros sócios. E o BNDES foi procurado para melhorar as condições do financiamento para a usina, inclusive com declaração pública das condições que serão oferecidas.
Foi assim que, aos poucos, o discurso de que o projeto é tão arriscado que precisava da união de todas as empreiteiras começou a deixar de ser uníssono. O poderoso grupo, formado pelas maiores geradoras do país, já não tem mais como se manter nesta formação, segundo o sócio de uma delas. Algumas diferenças e rusgas já começaram a mostrar que esse consórcio deve se manter apenas até o fim dos estudos da usina.
Uma das poucas apostas mais firmes é que CPFL e Neoenergia, que tem a Previ como sócio comum, devam ficar unidas . Até porque o presidente da CPFL, Wilson Ferreira Júnior, disse isso recentemente. A Camargo Corrêa vai se limitar a competir pela construção da usina, pois reiteradamente tem dito que a CPFL será a empresa usada pelo grupo.
Toda essa movimentação trouxe de volta à cena um dos principais protagonistas no leilão do Madeira: a Odebrecht, não a empreiteira, mas a investidora. A empresa até então não tinha demonstrado ao governo o interesse de ser líder de qualquer consórcio, que não o construtor, para o leilão de Belo Monte. Agora, junto com a também construtora Andrade Gutierrez, de quem já é sócia em Santo Antônio, parte em busca de sócios. Sejam eles geradores ou fundos de investimento. Uma coisa é certa, segundo um importante executivo da empresa, a Odebrecht quer estar no bloco de controle, como aconteceu no Madeira.
O governo terá agora que definir a participação da Eletrobrás na disputa, que será fundamental na formação dos consórcios e na garantia de sucesso do leilão. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Nelson Hubner, defende que para garantir a competição seja adotado o mesmo modelo do Madeira, em que as diferentes empresas do sistema Eletrobrás participaram em diferentes consórcios. Os empreendedores defendem, entretanto, que seja pré-estabelecido que a Eletrobrás fique com 49%, e em que condições, mas sem participar do leilão.
Os autoprodutores, segundo o presidente da associação do setor, Mário Menel, propuseram que a Eletrobrás assuma toda a parte da obra que diz respeito aos canais, que ligam um ponto do rio Xingu a outro. Essa é a parte mais arriscada do projeto, pelo volume de terras e rochas a ser escavado e preocupa os autoprodutores que, se participarem do leilão, terão que assumir todos os riscos junto com os outros sócios.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, diz que é difícil que essa proposta seja aceita, mas garante que estarão no edital as condições para participação dos autoprodutores. A tendência, segundo Tolmasquim, é que fique assegurado que pelo menos 70% da energia de Belo Monte, do total de 11 mil MW, seja destinada ao mercado cativo. Tolmasquim só diz que o preço estipulado pela EPE será competitivo e que o governo está empenhado em conseguir que o BNDES garanta melhores condições de financiamento do que foi a do Madeira.
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