Por Marina Silva
DEPOIS DE muitos adiamentos, foi finalmente lançado o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Apesar da demora, o ponto positivo é que foram levadas em conta as diretrizes defendidas pelo Ministério do Meio Ambiente desde que o debate se instalou no governo, em 2007.
A proteção da Amazônia, do Pantanal e dos remanescentes de florestas nos demais biomas, assim como a observância da segurança alimentar, estão contempladas. Mas não ainda garantidas. São fundamentais medidas complementares para assegurar, de fato, a sustentabilidade da nossa produção de etanol e outros biocombustíveis.
É preciso impedir que a pecuária -que cederá espaço para a expansão da cana- migre de modo anárquico para a Amazônia ou outros biomas, agravando o que já ocorre.
Falta também política de incentivo para um salto tecnológico que eleve a produtividade na pecuária -cuja média nacional beira a uma cabeça por hectare- e incorpore o adequado manejo dos recursos naturais em suas práticas, a partir de tecnologias disponíveis na Embrapa e já adotadas por vários produtores. Dessa forma, será possível aumentar o rebanho e a renda do produtor e ainda liberar áreas para a produção de biocombustíveis, reflorestamento comercial e outras culturas, descartando novos desmatamentos, o que significa reduzir emissões de carbono.
Mas nada disso terá sentido se o projeto de lei for desfigurado no Congresso Nacional. É imprescindível um cuidadoso e consistente processo de articulação política que garanta a aprovação da proposta, de modo a que não se resuma a mera "boa intenção" do governo.
Outro passo necessário é estabelecer um processo de certificação independente para a produção de biocombustíveis, atestando o cumprimento da legislação trabalhista, ambiental e do próprio zoneamento. Estaria assim assegurada a sustentabilidade dos nossos biocombustíveis, tornando-os praticamente imbatíveis no mercado global.
Apesar da forte resistência de alguns setores, o zoneamento sinaliza que é possível mudar o jogo e chegar a uma produção agrícola compatível com a economia descarbonizada do futuro. Sinaliza também que a virada começa numa nova qualidade de pensamento e planejamento estratégico para o setor agrícola.
Se o Brasil consolidar políticas nessa direção e assumir metas obrigatórias de redução de suas emissões totais, certamente chegará a Copenhague como referência para a negociação de um compromisso internacional decisivo na contenção do aquecimento global.
Reunimos as melhores condições, há que se perseverar na decisão politica para desempenhar esse papel.
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