Em um workshop ministrado há alguns dias por ambientalistas a pecuaristas preocupados em colocar seus bois na linha, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues relatou o diálogo que teve com um pequeno produtor em viagem recente à Holanda. Rodrigues observava a grama bem cortada da fazenda do sujeito quando viu três pontos onde deixaram de passar a máquina. Perguntou o motivo. Ali dentro, explicou o holandês, estava o bulbo de uma espécie ameaçada, por isso ele deixava o entorno intacto.
Por Daniela Chiaretti
O governo, acrescentou, recompensa quem preserva a tal planta. "Fiquei encantado com aquilo", confessou o atual coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas. "O que é lei é lei, tem que ser cumprido e fim de papo", disse peremptoriamente, antes de concluir: "Mas não pode mais só punir. Tem que criar um cadastro positivo dos que cumpriram a lei. Há que existir uma vantagem para quem fez direito". O discurso é redondo e articulado. Segue o que dizem há umas duas décadas os que se preocupam em manter a floresta preservada. Mas também, convenhamos, é meio esquisito.
Na entrevista que concedeu em São Paulo durante o lançamento da Aliança Brasileira pelo Clima, Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), elencou os efeitos positivos da moratória da soja, lembrou a pujança inegável do setor e respondeu à provocação de um jornalista europeu que perguntava quem afinal desmata no Brasil se todos se declaram contrários à derrubada: "O desmatamento será declinante na medida em que tenhamos incentivos pelos pagamentos dos serviços ambientais", respondeu. Na sequência, deixou mais claro o que tinha em mente: "À medida em que se tenha uma verba para o desmatador, legal ou ilegal não vou nem entrar no mérito, a gente começa a baixar o desmatamento". Dito assim, o argumento fica mais esquisito.
Dá alergia pensar que o discurso lindo da defesa da Amazônia, que parece ter atingido como um raio todo o governo e todas as lideranças do agronegócio, pode embutir uma chantagem. Custa caro não desmatar - além da perda de remuneração financeira por não produzir algo, há os custos de manutenção da floresta. Mas embrulhado na reivindicação de premiar quem preserva (demanda histórica de seringueiros, ribeirinhos, agricultores familiares e povos indígenas hoje incorporado ao setor produtivo) está a ameaça que, se o dinheiro não vier, o desmatamento será inevitável. Em um mundo aquecido esta relação direta é sinistra. Em um mundo prestes a negociar um acordo climático onde os países desenvolvidos têm que cortar emissões e o Brasil tem que preservar a Amazônia (o que custa caro e alguém terá que pagar), pode ser uma bela oportunidade. Chato é o oportunismo desta conversa. "O desmatamento zero é como o desenvolvimento sustentável - de repente todo mundo defende desde criancinha" ironiza Sergio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace. "O problema é que ninguém quer nem ouvir falar em recuperar o passivo ambiental."
Quando, em outubro de 2007, nove das ONGs mais importantes que atuam no país lançaram o pacto pelo desmatamento zero na Amazônia, alguns pesquisadores reagiram com desconfiança. A proposta era reduzir o desmate até chegar a praticamente nada em 2015, adotando-se um sistema de metas anuais e investindo-se R$ 1 bilhão por ano como compensação àqueles que promovessem efetiva redução do desmatamento - uma forma de remunerar pelos serviços ambientais prestados pela floresta. As críticas surgiam nas ambiguidades do texto. Alguns batizaram a iniciativa de "bolsa-pecuarista". Havia consenso, claro, sobre remunerar pecuaristas que abrissem mão de desmatar os 20% aos quais têm direito. "Mas é que no Brasil, o número de pecuaristas que respeitam os 20% de reserva legal se contam nos dedos de uma mão", diz o climatologista Carlos Nobre, um defensor do pagamento por serviços ambientais, os PSA. "O ponto é quem vai se beneficiar com isso e como vai-se pagar quem tem um histórico de ilegalidade", continua. O argumento de sempre, que esta é uma herança do passado, que se trata do legado do avô, que o governo incentivava o desmatamento, é verdadeiro. Mas também é verdade que aquela sinalização foi interrompida em 1989, no governo Sarney, e em 1996, na gestão FHC, a fatia da reserva legal mudou de 50% para 20% na Amazônia. São 20 anos de um lado e 13 do outro, as regras não mudaram ontem. A suspeita de Nobre em relação aos líderes do agronegócio diminuiria se ele percebesse neles menos um tom de expansão rural e mais esforços de investir e modernizar a atividade.
Costa Rica, México, Estados Unidos, Colômbia, Equador já têm legislações sobre PSA. O Ministério do Meio Ambiente tem um programa desde 2003 que trabalha com 3.600 famílias de pequenos agricultores na Amazônia Legal incentivados a não desmatar, não queimar, não usar agrotóxico e a plantar mesclando espécies como cacau e freijó, café e cupuaçu. Mas como não há marco legal e o governo federal não tem segurança jurídica de como fazer a remuneração, este pessoal tem sido pago de forma bissexta. Desde junho tramita no Congresso o PL 5487, elaborado no MMA. Define o que é serviço ambiental e cria as instituições para que o sistema seja implantado. Há vários outros projetos sobre o tema, que não desperta oposição. O problema está no futuro - administrar os fundos e a demanda.
Quando a conferência do clima tiver terminado, em dezembro, em Copenhague - ou no pós-Copenhague - espera-se que o acordo internacional inclua mecanismos de incentivo à redução de emissão por desmatamento e degradação, o Redd, aponte de onde virá o dinheiro e quanto será. Aí sim o Brasil terá que ter uma política que resolva a armadilha e decida qual o valor a ser pago aqui e quem merece ser remunerado. Espera-se que a política seja horizontal e não premie apenas quem tem poder político. Depois da festa do Pré-Sal, com todas as regras claras, é hora de o país pensar o que quer fazer com sua metade verde. O assunto é novo, complexo e polêmico e seria bom que saltasse da esfera dos Três Mosqueteiros - os ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores - e merecesse mais atenção da Fazenda, da Casa Civil e da Presidência da República.
Daniela Chiaretti é repórter especial em São Paulo
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