Embora os satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) tenham registrado o abate de árvores numa extensão equivalente a mais da metade da cidade de São Paulo em julho, o desmatamento acumulado na Amazônia em 12 meses foi o menor desde 2004, quando começou a funcionar o sistema mais rápido de detecção do ritmo das motosserras.
Por MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dados confirmam projeção de que taxa de 2009 será a menor em 20 anos, afirma Minc
Satélites do Inpe revelam que, só em julho, derrubada de árvores foi equivalente a mais da metade da área da cidade de São Paulo
Esse primeiro dado é de um sistema chamado Deter, menos preciso que outro, o Prodes, que calcula efetivamente a taxa de desmatamento e é divulgado anualmente -o resultado do Prodes só sai no final do ano, mas a coleta dos dados vai de agosto de um ano a julho do outro. Os números de ontem confirmam a projeção de que o abate de árvores em 2009 será o menor da série histórica.
"O Prodes vai mostrar um desmatamento provavelmente entre 8.500 km2 e 9.000 km2. Falo isso baseado em projeções anteriores. Vai ser o menor desmatamento dos últimos 20 anos. Tenho certeza absoluta disso", afirmou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
O Inpe mede o avanço da devastação da floresta desde 1988. Nesse período, a menor taxa foi medida em 91 e superou 11 mil quilômetros quadrados. A expectativa é que o desmatamento neste ano fique abaixo de 9,5 mil km2, ou seis vezes a cidade de São Paulo.
O ministro atribuiu a queda do desmatamento às ações de repressão. Só neste ano, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) bloqueou a produção em mais de 2,6 mil quilômetros quadrados desmatados ilegalmente e aplicou mais de R$ 1 bilhão em multas. "Da queda do desmatamento, 90% foram por causa de pancada", disse.
Minc defendeu o desenvolvimento sustentável como solução para a Amazônia. "Desmatamento zero ficou como o desenvolvimento sustentável e camiseta do Che Guevara. Todo mundo usa ou é a favor, sem saber direito o significado. Mas quando ajo contra o boi pirata, querem cortar o meu pescoço."
A análise dos números do sistema Deter, divulgados ontem, precisa levar em conta a quantidade de nuvens na região. Assim, o desmatamento registrado pelos satélites em julho, quando 77% da região estava livre de nuvens, é resultado da ação das motosserras nos meses anteriores, quando havia mais nuvens impedindo a "visão" dos satélites.
A área de devastação registrada em julho - 836 quilômetros quadrados- é a maior do ano. Ainda assim, é 56% menor do que a média do ritmo de desmatamento registrado nos meses de julho desde 2003.
Em 12 meses, a área desmatada somou 4.375 quilômetros quadrados. Comparado aos 12 meses anteriores, a queda foi de quase 50%.
Os municípios de Novo Progresso e Altamira, no Pará, foram os que mais desmataram em julho. O Estado registrou, no ano, o maior aumento da área desmatada.
ANÁLISE
MP da Grilagem arma bomba-relógio
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
É virtualmente seguro afirmar, como fez o ministro Carlos Minc ontem, que o desmatamento na Amazônia em 2009 será o menor da história.
Caso Minc e sua estimativa -que, ele mesmo admite, "não é muito científica"- estejam certos e a devastação fique mesmo na casa dos 9.000 km2, o Brasil vai bater bumbo na conferência do clima de Copenhague, em dezembro. Dirá que controlou o desmatamento, o que não é verdade. Mais certo seria dizer, como um bêbado em reabilitação, que controlou o desmate neste ano.
E "controlar" aqui é licença poética. Afinal, 9.000 km2, quase uma Jamaica, ainda é mais do que toda a produção de açúcar ceifou da mata atlântica entre 1700 e 1850.
Mesmo que fosse um dado a comemorar, como toda boa notícia na Amazônia, esta corre o risco de se desfazer -literalmente- numa nuvem de fumaça nos próximos meses. O "ano fiscal" da derrubada fecha com um viés de alta, e uma alta forte: julho de 2009 termina com um aumento de 93% em relação a julho de 2008, segundo o sistema SAD, do Imazon. E 160% em relação ao mesmo mês segundo o Deter, do Inpe.
A cobertura de nuvens, alta demais neste verão amazônico, fez com que parte do desmatamento de meses anteriores só viesse se revelar agora. "Mas não foi só efeito de nuvens", diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon.
Segundo ele, a retomada da devastação pode ser explicada por dois fatores principais: afrouxamento das medidas de controle do governo, que ajudaram a derrubar o desmate sobretudo no verão amazônico de 2008, e um surto de grilagem que explodiu neste ano. A origem do surto tem nome: Medida Provisória 458, a MP da regularização fundiária.
Apesar de a MP só ter sido aprovada em junho, a sinalização do governo de que ela passaria, já no começo do ano, bastou para atiçar os especuladores. Uma evidência disso é a mudança na geografia do desmatamento neste ano.
Áreas que não têm atividade agropecuária forte aparecem desmatadas. Entre elas está o eixo da rodovia BR-163, no Pará. O sul do Amazonas, considerado até pouco tempo atrás "fechado" ao desmatamento por conta de unidades de conservação criadas na divisa com Mato Grosso, também faz sua estreia entre os "pontos quentes" da Amazônia, bem como a calha norte paraense.
"A mudança no perfil é preocupante", diz Gilberto Câmara, diretor do Inpe.
Regiões de desmatamento tradicionalmente alto, em especial Mato Grosso e Rondônia, cederam à crise econômica, às pressões do mercado (como a moratória da soja e o embargo dos supermercados à carne, após denúncias do Greenpeace) e ao cassetete, além da constatação deprimente de que, nesses Estados, há cada vez menos floresta para desmatar. No oeste do Pará, o desmate saiu do controle.
E aqui o fantasma de Marina Silva volta para puxar o pé de de Minc e de seu chefe, o presidente Lula. À frente do ministério, Marina criou unidades de conservação no "arco da grilagem" do oeste paraense e no sul do Amazonas. Lula não só não tirou esses parques do papel como armou a bomba-relógio da MP 458, que ameaça estourar em seu colo no pior momento possível -em 2010.
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