Por Marcos Sá Corrêa*
Se a medida for o noticiário, o Brasil está mais perto de Nova York, onde a ONU faz um ensaio para a conferência do clima em Copenhague, do que de Curitiba, onde rola em relativo anonimato o 6º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Com isso perde informações vitais até para a reconciliação da política externa com a agenda internacional da desordem climática ao deixar de ouvir, por exemplo, o que o historiador José Augusto Drummond contou na segunda-feira, a um auditório de 1,2 mil pessoas, sobre a choradeira de agricultores contra o despropósito das áreas protegidas.
Drummond coordena o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. É um "consumidor" declarado de parques nacionais. Quer dizer, alguém que os visita regularmente. E sabe que eles estão longe de ser um pedaço perdido do território, como muita gente boa pensa ou anda dizendo - a começar pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
Stephanes toca há anos uma campanha oficial de desobediência civil ao Código Florestal, papel impensável num governo menos anárquico que o do presidente Lula. Mas ele se escora em dados estatísticos que, em si, parecem sérios, senão incontroversos. Vêm carimbados por monitoramento de satélite. E trazem o selo respeitável da Embrapa.
Faz tempo que esses dados circulam como verdade. Drummond provou que não passam da última versão de uma velha conversa fiada, a que desembarcou no Brasil com os europeus, aproveitando a fartura aparentemente inexaurível de terras virgens para reabilitar tecnologias neolíticas de agricultura. O popular fogo no mato. Na colônia, estorricar o solo era um meio de furar a fila dos candidatos às sesmarias. Foi assim que, no século 19, os agricultores consumiram 25 mil km2 de mata atlântica na serra fluminense, produzindo falta d"água na capital. Essa história Drummond conta em Devastação e Preservação Ambiental no Rio de Janeiro, há quase 20 anos.
E é o que o ministro Stephanes faz agora. Como os sesmeiros portugueses, prega o atraso em nome do progresso, lastreado em números enxertados com terras indígenas, quilombos e outras categorias frouxas de áreas protegidas, para engrossá-las absurdamente. Drummond o colocou em seu devido lugar - o passado, na má companhia da depredação colonial. Para tanto, ele nem se deu ao trabalho de desmentir os números, pelos quais sobrariam menos de 30% para a agricultura. Ou mesmo "26%". Ele discutiu apenas o que vem a ser isso em 8,5 milhões de km².
É tanta terra que só a soja, dona de 2,49% do País, ocupa duas vezes e meia o espaço que cabe ao Estado de Santa Catarina inteiro.
A pecuária tem sob suas patas 20,23% do território nacional. Os assentamentos da reforma agrária, 5,5%. Olhando assim, o que se vê, por todos os lados, não é falta de terra. Só pode ser então aquilo que outro historiador, Capistrano de Abreu, chamou de "vergonha na cara". Mas isso, segundo Capistrano, não é assunto para a reforma do Código Florestal. Era artigo único da Constituição.
* É jornalista e editor do site
O Eco (www.oeco.com.br)
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