sexta-feira, 11 de setembro de 2009

OESP - Emissão de CO2 do cerrado equivale à da Amazônia

O desmatamento no cerrado é responsável atualmente pelo mesmo volume de CO2 emitido na Amazônia. Dados divulgados ontem pelo Ministério do Meio Ambiente mostram que, com a devastação do cerrado, a emissão média anual foi de 350 milhões de toneladas do gás, um dos principais causadores do efeito estufa.

Por Lígia Formenti, BRASÍLIA

Situação é reflexo das altas taxas de desmatamento e deve alterar estratégia do País na questão do clima

Entre 2002 e 2008, a taxa média de desmatamento anual no bioma foi de 21.260 km2 - uma área duas vezes maior do que os 10 mil km2 estimados de devastação na Amazônia para 2009. O dado da floresta amazônica não foi fechado e pode ser maior. Até o ano passado, o cerrado perdeu 48,2% de sua cobertura original - quase metade dos 2 milhões de km2 do bioma.Em 2002, o total devastado era de 41,9% da área original - um aumento de 6,3% no período.

Para fazer o cálculo das emissões, leva-se em conta o desmatamento e a biomassa existente. Por isso, a Amazônia aparece com uma área desmatada menor, mas apresentando o mesmo nível de emissão do cerrado. "A Amazônia tem maior volume de madeira e outros componentes de vegetação do que o cerrado", explica Bráulio Dias, diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do ministério. "Houve todo um esforço para reduzir o desmatamento na Amazônia e o mesmo não ocorreu no cerrado. É o momento de reconhecer que o cerrado hoje é tão importante quanto a Amazônia para o combate às mudanças climáticas no País", afirma Dias.

O novo dado deve alterar as estratégias do País nas questões de clima - sempre se fala que a destruição da floresta tropical é a principal fonte de emissões do Brasil, quadro que muda com os dados apresentados ontem. "Na revisão do Plano Nacional de Mudanças Climáticas serão incluídas metas de redução de desmate também para o cerrado", completa o diretor.

Para o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, os números são "acachapantes". Ontem, ele lançou um conjunto de medidas para tentar interromper a devastação no cerrado, que é o segundo maior bioma da América do Sul, depois da Amazônia, e a savana de maior biodiversidade do mundo. Batizado de Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas, o projeto traça estratégias para serem executadas entre 2009 e 2011. Entre elas ampliar áreas sob proteção. "Atualmente no papel 7,5% do território do cerrado está protegido", disse o ministro. A ideia é ampliar para cerca de 10%. Para alcançar esse índice, seria preciso criar, em dois anos, 600 mil hectares de áreas novas de proteção. O plano inicial é que três unidades sejam criadas, cada uma com 200 mil hectares (mais informações na pág. A18).

O estudo sobre o ritmo de desmatamento no cerrado é fruto de uma análise dos satélites CBERS e Landsat. O novo plano prevê um acompanhamento anual das atividades de desmatamento, a exemplo do que é feito na Amazônia. O novo sistema deverá ser desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com Dias, o novo método deverá demorar um pouco para entrar em funcionamento. "É preciso fazer adaptações."

Um dos desafios, contou Dias, está relacionado com o longo período de seca, em que vegetação perde boa parte das folhas. "Isso torna um pouco mais difícil diferenciar o que é seca, o que é devastação." Uma das maiores preocupações dos integrantes do ministério está relacionada com a devastação em áreas de bacia. "A proteção exercida pela vegetação é fundamental para o ciclo hídrico", afirma a secretária de Biodiversidade e Florestas, Maria Cecília Wey de Brito. Sem tal proteção, fica ameaçada metade do potencial elétrico a ser explorado no País. "Sem essas bacias, vai faltar água para irrigação e hidrelétrica. O desenvolvimento do Brasil ficará ameaçado", disse Minc. O estudo mostra que 60 cidades são responsáveis por um terço de todo desmatamento do cerrado. Os Estados onde há maior desmatamento, em números absolutos, são Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e Bahia. A maior parte da devastação ocorreu a partir da década de 70. Hoje, os maiores vetores de desmatamento no bioma são cana-de-açúcar, carvão vegetal, soja, pecuária e queimadas.

Dados põem bioma na agenda do clima

Análise

Por Herton Escobar, jornalista

Já era hora de o governo prestar atenção - de verdade - no desmatamento do cerrado. Os dados de emissão de carbono divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) colocam o bioma de braços dados com a Amazônia na lista de prioridades da agenda climática brasileira.

Quando chega à atmosfera, 1 tonelada de carbono é 1 tonelada de carbono. Seu efeito de aquecimento é o mesmo, não importa se ela foi emitida pela queima de uma árvore de 20 metros na Amazônia ou de uma de 5 metros no cerrado. Até agora, porém, as únicas emissões por desmatamento que eram levadas em conta nas discussões sobre mudanças climáticas eram as da floresta tropical.

O cerrado, valorizado muito mais como uma fronteira agrícola a ser explorada do que como um tesouro biológico a ser preservado, nunca foi prioridade nas políticas públicas de pesquisa e conservação. Consequentemente, faltam dados científicos básicos sobre o bioma, necessários para entender sua biologia, seu clima e seus serviços ambientais - que incluem, entre muitas outras coisas, a estocagem e reciclagem de carbono.

Os novos dados do MMA começam a preencher essa lacuna, mostrando que o desmatamento do cerrado pode ser tão prejudicial para o clima quanto o da Amazônia. Portanto, precisa ser combatido com o mesmo empenho.

Não há dúvida de que as medições do ministério serão revisadas e refeitas por acadêmicos muitas vezes nos próximos anos. É possível que mudem bastante nesse processo. Calcular as emissões de carbono do cerrado é ainda mais complicado do que na Amazônia, porque sua cobertura vegetal varia imensamente no tempo e no espaço. E, mesmo na Amazônia, os números são difíceis.

Seja como for, o MMA dá um passo importante ao colocar o cerrado no mapa das mudanças climáticas. O Ministério da Ciência e Tecnologia também faz suas contas para incluir o bioma no novo inventário de emissões do País, que deverá ser concluído até o fim do ano. Agora, quando o Brasil falar de sua contribuição para o aquecimento global, não poderá mais falar só da Amazônia. Terá de falar do cerrado também.

O mesmo vale para o setor produtivo, que hoje concorda em não comprar soja nem carne produzida em áreas desmatadas da Amazônia, mas não quer nem ouvir falar de restrições à produção no cerrado. Terá de ouvir, agora.

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